MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – A Câmara da Itália aprovou, nesta terça-feira (20), o decreto-lei que limita o acesso à cidadania italiana para descendentes nascidos no exterior. Com a decisão, o texto apresentado em março pela coalizão de Giorgia Meloni, e aprovado na semana passada pelo Senado, torna-se definitivo.

Pelas novas regras, a transmissão e o reconhecimento da cidadania por direito de sangue só vale para duas gerações nascidas fora da Itália. A medida, tratada como urgente pelo governo, significa uma mudança na Lei da Cidadania, de 1992, que não estipulava limite de gerações. A lei foi aprovada com 137 votos a favor e 83, contra.

Durante a tramitação no Senado, o decreto sofreu alterações, sendo a principal delas a substituição do termo “nascido na Itália”, em referência aos ascendentes, pelo trecho “possui ou possuía no momento da morte exclusivamente a cidadania italiana”.

Ou seja, pela nova regra, uma pessoa nascida fora do país europeu só será considerada italiana se ao menos um genitor ou um avô/avó tiver somente a cidadania italiana. Ao mesmo tempo em que remove a necessidade de o parente ter nascido na Itália, pode restringir ainda mais o acesso, ao excluir aqueles que têm ou tiveram dupla cidadania, como a brasileira, além da italiana.

Além desse caso, pode ser considerada italiana uma pessoa cujo genitor tenha morado na Itália por pelo menos dois anos sem interrupção após a aquisição da cidadania e antes do nascimento do filho.

O texto não sofreu alterações na Câmara. Nesta terça (20) foram rejeitadas, por votação, dezenas de emendas apresentadas pela oposição, assim como já havia acontecido, no dia anterior, na Comissão de Assuntos Constitucionais.

As regras valem para pedidos de cidadania apresentados após o anúncio do decreto, em 28 de março. Quem obteve a cidadania antes disso não perde o direito.

O governo justifica a medida pela necessidade de coibir o que vê como exageros nos pedidos feitos por descendentes de antigos emigrados que vivem na América do Sul e que não teriam mais vínculo com a Itália. Nos últimos anos, prefeitos de pequenos municípios e representantes de tribunais de Justiça reclamaram do alto volume de solicitações, principalmente as apresentadas por via judicial, em que o autor não precisa morar na Itália.

As agências no exterior que oferecem serviços ligados a pedidos de cidadania, como a localização de documentos antigos ou a entrada com o processo judicial, são criticadas por comercializarem o direito ao passaporte italiano. Além disso, integrantes do governo se queixam do fato de os interessados na cidadania não terem interesse em morar na Itália, mas somente circular com facilidade dentro da União Europeia e entrar nos Estados Unidos sem visto.

“É escandaloso ver a cidadania italiana à venda. É escandaloso ver o leilão de antepassados. Existem solicitações de cidadania ligadas a um antepassado que chegou ao Brasil nos anos 1850, da sexta geração”, afirmou, durante debate no plenário, o deputado Giovanni Maiorano, do partido Irmãos da Itália, o mesmo da primeira-ministra Meloni. “Com esse decreto, colocamos fim a práticas anômalas, quando não ilegítimas, que querem presentear a cidadania a quem não tem nada a ver com a Itália.”

A medida sofreu críticas da oposição italiana, seja pelo conteúdo, seja pela forma. Parlamentares questionaram o uso, da parte do governo, do mecanismo do decreto para mudar a lei de 1992, em vez de utilizar o procedimento padrão, com apresentação de projeto de lei, que tem tramitação mais lenta e mais discussão entre os parlamentares.

“Esse decreto é uma ferida profunda, dolorosa e injusta. Ele não nasce para responder a uma emergência, mas para construir uma barreira contra quem tem sangue italiano mas vive no exterior”, disse o deputado Nicola Carè, do Partido Democrático. “As verdadeiras vítimas [do decreto] não são os espertinhos do passaporte [italiano], mas as famílias. Os filhos e netos de imigrantes italianos, a quem agora é dito ‘você não é italiano o suficiente para merecer a cidadania do seu avô'”, disse.

Integrantes da oposição preveem uma corrida ao Judiciário contra o decreto, visto como discriminatório, com recursos contra pontos que violariam princípios constitucionais.

A medida impacta diretamente descendentes de italianos que moram no Brasil e na Argentina, países que receberam milhões de emigrados a partir do fim do século 19. Só no Brasil, um contingente de 1,4 milhão chegou de 1870 a 1920. Estima-se que hoje existam 30 milhões de descendentes no país.

Segundo dados da relação técnica que embasa o decreto, o número de cidadãos italianos que vivem fora da Itália saltou 43% de 2013 a 2024, atingindo 6,4 milhões. Desse total, 70% nasceram fora do país. No Brasil, esse percentual chega a 96% –dos 873,9 mil cidadãos italianos residentes, como expatriados ou com dupla cidadania, 840 mil nasceram fora da Itália.

Além do direito de sangue, pela legislação de 1992, é possível se tornar cidadão italiano por tempo de residência no país —adultos de fora da União Europeia podem fazer o pedido após dez anos morando legalmente na Itália–, e por casamento. Genitores residentes no país que tenham obtido a cidadania podem transmiti-la aos filhos menores de 18 anos. Jovens nascidos na Itália de genitores estrangeiros –e residentes sem interrupção– também podem se tornar italianos quando completam 18 anos.