O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir um processo disciplinar contra duas magistradas do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), responsáveis por impedir que uma adolescente de 13 anos, vítima de estupro, realizasse um aborto legal. A juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso, do 1º Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, foi afastada preventivamente de suas funções até a conclusão do caso. A desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade também será investigada, mas permanece no cargo.
A medida foi aprovada de forma unânime pelo CNJ na última sexta-feira (16), após representação da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), protocolada em julho de 2023. O caso foi revelado pelo jornal O Popular.
Segundo relatos, a menina estava grávida de 18 semanas quando procurou um hospital para realizar o procedimento, previsto em lei nos casos de estupro. Mesmo com o direito garantido, os médicos se recusaram a seguir adiante sem uma autorização judicial. O pai da menina acionou a Justiça, mas decisões das duas magistradas bloquearam o aborto, permitindo-o apenas com condições que tornavam o procedimento inviável — como a exigência de que os médicos não provocassem a morte do feto.
Somente após novo recurso, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) à época, Maria Thereza de Assis Moura, concedeu habeas corpus à Defensoria Pública de Goiás, autorizando a realização do aborto legal. O caso gerou comoção nacional e críticas de diversas entidades de direitos humanos.
De acordo com o secretário da ABJD em Goiás, Vitor Albuquerque, o afastamento de Maria do Socorro é um passo importante:
“Ela já demonstrou parcialidade em processos semelhantes, o que compromete a proteção de meninas e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade”.
Albuquerque criticou a atuação de parte do Judiciário, que, segundo ele, tem usado argumentos religiosos para interferir em decisões legais:
“Essas meninas, vítimas de violência sexual, acabam sendo revitimizadas pelo próprio Estado. São decisões que ignoram os direitos garantidos por lei e tratam essas crianças como se não tivessem voz ou defesa.”
No caso em questão, após a primeira negativa, Maria do Socorro autorizou o aborto semanas depois, mas impôs que o procedimento fosse realizado por meio de cesariana, sem indução da morte fetal — medida que foi considerada inócua pelos médicos, já que o feto não teria chances reais de sobrevivência. A desembargadora Doraci, por sua vez, suspendeu qualquer intervenção até que o caso fosse analisado em definitivo.
O homem acusado de estuprar a menina foi indiciado pela Polícia Civil e denunciado pelo Ministério Público de Goiás. O processo segue sob sigilo.
A decisão do CNJ é vista como um marco por organizações civis, mas ainda cercada de cautela. Em nota, Albuquerque lembrou a recente punição considerada branda à juíza Joana Ribeiro Zimmer, conhecida por dizer a uma menina vítima de estupro para “aguentar só mais um pouquinho”. Na ocasião, a magistrada recebeu apenas uma advertência formal.
“O Judiciário precisa romper com essa lógica punitiva seletiva e começar a proteger efetivamente as vítimas, sobretudo quando se trata de crianças em situação de violência sexual”, concluiu o representante da ABJD.