Em um depoimento que pode pesar no processo contra Jair Bolsonaro, o general da reserva Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que foi apresentado a uma proposta do governo Bolsonaro com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2022. Ele garantiu que deixou claro ao então presidente que o Exército não participaria de nenhuma ação contrária à Constituição.

Freire Gomes é uma das principais testemunhas de acusação no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado. O depoimento ocorreu nesta segunda-feira (19), sob condução do ministro Alexandre de Moraes. Os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux participaram da audiência por videoconferência; apenas Flávio Dino não esteve presente.

O general contou que participou de diversas reuniões políticas com Bolsonaro e membros do governo. Em uma delas, ele rejeitou veementemente qualquer possibilidade de envolvimento das Forças Armadas em uma manobra para reverter o resultado das eleições. Freire Gomes relatou que jamais ameaçou prender Bolsonaro, mas o alertou de que qualquer ação sem respaldo jurídico não teria o apoio do Exército.

Segundo o depoimento, a proposta para impedir a posse de Lula foi apresentada durante uma reunião conduzida pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, com os chefes militares. A apresentação incluía medidas como a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Sítio e Estado de Defesa — mecanismos previstos na Constituição, mas que, segundo o general, estavam sendo discutidos como alternativas à posse do presidente eleito.

O plano, segundo Freire Gomes, lembrava o conteúdo da chamada “minuta do golpe”, documento encontrado na casa do ex-ministro Anderson Torres. A apresentação das ideias teria sido feita por um assessor de Bolsonaro, cuja identidade o general disse não saber precisar, embora a Procuradoria-Geral da República (PGR) desconfie que se trate de Felipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais.

O general reforçou que, apesar de o conteúdo ser inicialmente apresentado como hipótese de estudo, ele e os demais comandantes militares rapidamente se posicionaram contra qualquer tipo de interferência eleitoral. Em nova reunião, deixou claro ao presidente os riscos jurídicos e institucionais de tentar manobras antidemocráticas.

Freire Gomes também narrou um episódio ocorrido em 9 de dezembro, quando foi chamado pelo coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, para conversar com o presidente. Segundo ele, o objetivo era conter o chefe do Executivo, que estaria sendo pressionado por grupos — inclusive civis — a adotar medidas extremas para impedir a posse de Lula. Como o general estava em Fortaleza por motivos pessoais, enviou em seu lugar o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira.

O depoimento reforça a narrativa de que, embora o entorno de Bolsonaro discutisse estratégias para barrar a transição democrática, a cúpula das Forças Armadas se recusou a embarcar em qualquer aventura fora dos limites da legalidade.