MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Com alterações que facilitam a regularização de imigrantes, o novo Regulamento de Estrangeiros começa a valer nesta terça-feira (20) na Espanha. A previsão das autoridades é de que cerca de 900 mil pessoas em situação irregular sejam beneficiadas nos próximos três anos.
Não foram divulgados dados específicos sobre o impacto para a comunidade brasileira no país ibérico, estimada, em 2023, em 162 mil pessoas pelo Itamaraty.
As mudanças, de maneira geral, reduzem prazos para ter acesso a autorizações de residência e simplificam o ingresso no mercado de trabalho, além de agilizar o acesso a uma via de moradia legal para quem já teve um pedido de asilo negado pelas autoridades espanholas.
A legislação amplia ainda as possibilidades de obtenção do chamado arraigo, uma autorização excepcional de residência. Essa via de regularização é baseada em vínculos com a Espanha e passa a ter cinco modalidades.
Para os brasileiros, uma das principais mudanças é a diminuição do tempo exigido para o pedido de regularização para quem está morando na Espanha sem a documentação adequada. A partir de agora, os estrangeiros nessa situação poderão pedir o arraigo sociolaboral após dois anos de permanência contínua em território espanhol. Anteriormente, o pedido de regularização vinculada ao trabalho só era permitido após três anos vivendo no país.
A maioria das pessoas nessa situação desembarcou na Espanha como turista, mas ficou efetivamente vivendo e trabalhando mesmo sem a devida permissão. Além de comprovar o tempo de residência, os imigrantes precisam apresentar contratos de trabalho, ou pré-contratos com empresas na Espanha.
Em mais uma novidade da nova legislação, o governo também diminuiu a carga horária mínima exigida para os trabalhadores de 30 para 20 horas semanais e permitiu que os migrantes juntem vários contratos pequenos para conseguir completar o tempo requerido.
“Isso é um marco muito importante, porque muitas pessoas não conseguem ter apenas um contrato com todas as horas exigidas”, detalha a advogada Fernanda Mota la Valle, especializada em imigração e proprietária da Migratur. “Há empresas que não querem fazer um contrato de tempo integral. Reduzir as horas e permitir um conjunto de contratos foi um benefício.”
Foi criada ainda uma nova categoria, o arraigo de segunda oportunidade, que beneficia quem já teve uma autorização de residência no passado e, por alguma razão, perdeu o direito ao documento.
Estudantes estrangeiros também terão o caminho facilitado para trabalharem por até 30 horas semanais durante o curso. E, após terminarem a formação, poderão, em alguns casos, receber autorização para residência e trabalho.
Nas redes sociais e em grupos de Telegram e WhatsApp, brasileiros e outros migrantes se mostraram entusiasmados com as novas perspectivas para a adequação do status migratório, sobretudo em um cenário em que outros países europeus vêm dificultando o acesso às vias de regularização.
“Nós tivemos um aumento considerável nos atendimentos, inclusive nos fechamentos de contrato para tramitação desses novos arraigos”, diz a advogada ouvida pela reportagem. Segundo ela, muitos clientes já se anteciparam para ter a documentação pronta para ser tramitada assim que a lei entrar em vigor.
Como Portugal, principal destino da imigração brasileira na Europa, também está tomando medidas para limitar a imigração, a expectativa dos especialistas é que um efeito de atração para a Espanha.
Além de acabar com a chamada manifestação de interesse, que permitia a regularização de quem chegou como turista e ficou morando irregularmente no país, o governo de Portugal anunciou a intenção de ampliar o tempo mínimo de residência atualmente de cinco anos para ter acesso à cidadania lusa.
Se isso se concretizar, parte dos imigrantes deve olhar com mais atenção para a Espanha. Atualmente, brasileiros e outros cidadãos ibero-americanos podem pedir a naturalização após apenas dois anos com uma autorização de residência em território espanhol.
Não por acaso, os números estão crescendo. Pelos dados mais recentes, a quantidade de cidadãos do Brasil obtendo o passaporte espanhol por essa via teve um aumento de 144% em 2023, em relação a 2022.
O contingente crescente de espanhóis naturalizados se beneficiará também de mudanças trazidas com o novo regulamento, que amplia as possibilidades de reagrupamento familiar. O limite de idade para a concessão de autorização de residência para filhos de cidadãos espanhóis passa de 21 para 26 anos. As autoridades passam a reconhecer também, para fins migratórios, casais que não tenham registro formal da união, mas que possam comprovar a relação.
Por outro lado, a legislação dificulta a situação de quem tem a cidadania espanhola e pretende levar os pais para residir no país, com a idade mínima para a comprovação de dependência econômica passando de 65 para 80 anos.
Embora tenha ampliado muitas vias de residência, a nova legislação trouxe também mudanças que endurecem alguns dos caminhos tradicionais de imigração. Uma das principais alterações é nos cursos de idioma, que deixam de ser elegíveis para a conversão em autorização de residência, como era possível anteriormente. Ou seja: o visto, nos cursos de espanhol, não poderá ser posteriormente modificado para um documento que permita a residência na Espanha.
Ainda que a legislação tenha aumentado os caminhos para a regularização, especialistas são unânimes em afirmar que programar a mudança e chegar ao país já com a documentação adequada é sempre a melhor alternativa.
Durante os anos de irregularidade, os imigrantes estão em situação de acentuada vulnerabilidade social e econômica. Casos de estrangeiros com dificuldades para alugar imóveis na Espanha, que enfrenta uma crise de acesso à moradia até para seus próprios cidadãos, são recorrentes.
As alterações nas regras migratórias feitas agora pelo governo do socialista Pedro Sánchez levam em conta o peso cada vez maior dos imigrantes na economia espanhola. Um recente levantamento do Banco Central Europeu, por exemplo, indicou que cerca de 80% do crescimento espanhol, desde 2019, é explicado pelo aumento de trabalhadores estrangeiros no país, que têm uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa.
“Em um contexto global em que a escassez de mão de obra e as mudanças demográficas se tornam cada vez mais evidentes, a contribuição dos trabalhadores migrantes é indispensável para o crescimento econômico sustentável e o desenvolvimento social”, disse a ministra para a Integração, Segurança Social e Migrações, Elma Saiz, na ocasião do anúncio do novo regulamento.