BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto de lei que flexibiliza e simplifica o licenciamento ambiental no Brasil, em trâmite no Senado, traz pelo menos três dispositivos que contrariam decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Dentre eles está a LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso), centro da proposta, e também a dispensa de autorização para atividades ligadas à agropecuária e a limitação às Terras Indígenas e Territórios Quilombolas que devem ser considerados na análise de empreendimentos.

Como mostrou a Folha, Alcolumbre vê no projeto uma forma de pressionar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contrária à exploração de petróleo na Foz do Amazonas —ele é grande interessado na atividade.

Tanto o presidente Lula (PT) quanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem essa exploração.

A extração na Margem Equatorial, mostra reportagem da Folha, está entre as atividades que podem ser beneficiadas caso o projeto do licenciamento ambiental seja aprovado. A proposta também pode impulsionar o desmatamento no Brasil, incentivar a mineração e eliminar quase 20 milhões de áreas protegidas da análise ambiental das obras do Novo PAC.

A expectativa é que o texto seja analisado pelo plenário do Senado até quarta-feira (21). Se aprovado, ele volta à Câmara.

“Não tenho dúvida de que o Congresso vai corrigir até a votação final. Tem pontos muito preocupantes e que podem ensejar inclusive a inconstitucionalidade de todo o texto”, afirma o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho.

O principal fiador do projeto é a bancada ruralista, que deve conseguir aprová-lo, aplicando mais uma derrota sobre Marina Silva.

A aprovação de uma lei em conflito com visões do Supremo não a invalida automaticamente, mas abre espaço para que ela seja contestada.

“Em caso de aprovação no Congresso, a gente vai se juntar a outras organizações que estão nesse front para judicializar”, afirma Maíra Pankararu, coordenadora do departamento jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Em geral, a lógica do projeto é simplificar e acelerar o licenciamento ambiental, ampliando possíveis punições. Um dos principais instrumentos para isso é a LAC.

Neste procedimento, o empreendedor recebe o aval para iniciar sua atividade por se comprometer a cumprir exigências ambientais previamente estabelecidas, sem passar por uma análise individualizada.

Estariam aptos a conseguir autorização por meio da LAC iniciativas de até médio porte e potencial poluente.

Duas vezes em 2020, porém, o STF entendeu que esse tipo de licença pode ser usado exclusivamente “para atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental”.

Na ocasião, o Supremo analisou a validade de LACs instituídas por estados. O projeto federaliza esse mecanismo.

A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), representante da bancada ruralista, argumenta que há respaldo em posições da Corte.

“Nas ocasiões em que o STF tratou da matéria, deixou explicitado que é justamente a falta de lei federal geral de licenciamento que constitui fator de insegurança jurídica. Ou seja, a insegurança jurídica atualmente existente decorre diretamente do fato de não haver lei federal editada pelo Congresso”, afirma a FPA.

Em outra ação, em 2022, o Supremo entendeu ser inconstitucional a emissão de licença ambiental sem análise humana.

O projeto também restringe as áreas protegidas que devem ser consideradas na análise ambiental apenas às Terras Indígenas homologadas (fase final da demarcação) e Territórios Quilombolas titulados (oficializados), excluindo processos de regularização em andamento.

Porém, quando julgou o Código Florestal, em 2018, a maioria do Supremo decidiu “declarar a inconstitucionalidade” de um dispositivo que criava exatamente esta mesma limitação.

A FPA argumenta que o projeto apenas traz para a lei o que já é uma prática consolidada, dando assim maior segurança jurídica sobre o tema.

Segundo dados do Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), mais de 1.500 dos quase 2.000 processos de territórios quilombolas estão em andamento —e, portanto, seriam desconsiderados na análise ambiental, pela regra proposta.

Das mais de 800 Terras Indígenas do Brasil, 259 seriam ignoradas, segundo dados do ISA (Instituto Socioambiental).

O projeto também isenta do licenciamento ambiental atividades relacionadas à agropecuária extensiva e de pequeno impacto ambiental, mas em 2015 e 2020 o STF derrubou leis estaduais (no Tocantins e no Ceará) que iam nesta mesma direção.

“A atividade agropecuária é submetida às leis vigentes, como Código Florestal e legislação sanitária, que já determinam o cumprimento de uma série de condicionantes. Além disso, a dispensa de licenciamento não desobriga o cumprimento da legislação ambiental”, diz a FPA.

Além de excluir do processo os territórios indígenas e quilombolas não completamente regularizados, o projeto também reduz a participação dos órgãos representativos, como Incra e Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), estabelecendo regras e prazos para a manifestação destes.

O Observatório do Clima elaborou um dossiê de mais de 100 páginas sobre o projeto, no qual vê uma brecha para que os órgãos ambientais publiquem licenças sem a concordância de seus pares representativos, ou até com a discordância destes.

Para o Observatório do Clima, essa possibilidade desrespeita o princípio da Constituição de proteção e garantia dos direitos das comunidades tradicionais.

“As manifestações técnicas da Funai, Incra ou outros órgãos com atribuições legais não são vinculantes, mas têm peso relevante na análise do processo e influenciam diretamente a decisão do órgão ambiental”, rebate a FPA.

“O texto apenas define critérios técnicos de manifestação, sem retirar a participação dos órgãos envolvidos. A manifestação técnica permanece obrigatória nos casos em que houver impacto direto sobre territórios reconhecidos”, completa.