BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo elevou as projeções de crescimento da economia e da inflação deste ano, reforçando sinais de que a economia nacional continua resiliente mesmo oito meses após iniciado o ciclo de aumento dos juros por parte do Banco Central.
O movimento discrepante reforça dúvidas, existentes na própria autoridade monetária, sobre a real eficiência do aperto no atual cenário brasileiro. Além disso, reacende a discussão sobre o que pode ser feito para mitigar o problema.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou que os dados sendo observados na economia sugerem que os canais de transmissão da política monetária estão ao menos parcialmente obstruídos. Ou seja, que os efeitos de uma Selic mais alta podem não estar chegando ao destino como seria esperado em outras economias.
O BC elevou de forma sucessiva a taxa básica de juros (a Selic), de 10,5% em setembro de 2024 para 14,75% no começo deste mês. O Ministério da Fazenda, por sua vez, elevou nesta segunda-feira (19) a projeção para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2025 de 2,3% para 2,4% e para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 4,9% para 5%.
“O que é estranhíssimo no Brasil é isso. Como você convive com taxas de juros em um patamar que, para qualquer outra economia, seria bastante restritivo e ainda assim está assistindo ao nível de desemprego mais baixo da série histórica, ao nível de renda mais alto da série histórica e a uma série de dados que estão demonstrando um dinamismo alto da economia”, afirmou.
“Isso sugere que os canais de transmissão da política monetária não estão funcionando com a mesma fluidez observada entre nossos pares [internacionais]. Normalizar isso, e não vai ser com uma bala de prata e sim com uma série de reformas, é muito importante para que a gente possa migrar para um cenário de receitar doses menores do remédio e conseguir o mesmo efeito”, disse.
Para ele, o impacto maior até agora tem sido registrado no canal de crédito -diretamente influenciado pelo patamar da taxa de juros. Além disso, indicadores como os de confiança também têm mostrado certa moderação. Já em outros casos, como no mercado de trabalho, há sinais de resiliência.
Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda -responsável pela revisão nas projeções de PIB e inflação-, afirmou que a política monetária demora um tempo, calculado em 18 meses, para mostrar toda a sua efetividade, mas que já são vistos efeitos principalmente no crédito. O avanço anual nas concessões de empréstimo à pessoa física, por exemplo, beirou 30% em meados de 2024 e caiu para 6,8% em maio.
“[O canal de transmissão] está entupido, mas até que ponto? Acho que a gente tem que esperar mais um pouco para afirmar com convicção que de fato está entupido”, disse.
De acordo com o Ministério da Fazenda, as maiores estimativas para o PIB foram geradas principalmente pela previsão de um primeiro trimestre mais forte do que o anteriormente previsto, além de uma maior produção agropecuária ao longo do ano.
A pasta afirma que, após uma aceleração nos primeiros três meses do ano, a atividade tende a se desacelerar e ficar próxima à estabilidade no segundo semestre. No ano, o agronegócio deve ser o setor de maior crescimento, com expansão de 6,3%, enquanto a indústria deve avançar 2,2% e o setor de serviços, 2%.
“Nós acreditamos que a política monetária está em um campo bastante restritivo. E isso tem impactado inclusive a nossa própria projeção para o segundo semestre. Isso quer dizer que a economia vai entrar em crise? Não, mas que vai ter uma desaceleração na segunda parte do ano e isso tem a ver em grande parte com a política monetária”, afirmou.
Para Mello, o entupimento dos canais de transmissão apresenta hoje uma realidade muito diferente da observada há dez anos. Isso teria acontecido principalmente após mudanças nas taxas cobradas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), hoje menos distantes dos patamares cobrados pelo mercado.
“Mas é evidente que ainda resistem alguns problemas para transmissão da política monetária. Não só do ponto de vista do crédito, mas de um ponto de vista que a gente às vezes fala pouco, mas fundamental, que é a indexação”, afirma.
“O Brasil ainda é um país com grau de indexação elevado, uma memória do período inflacionário. Passos foram dados, mas certamente outros passos precisam ser dados daqui para frente”, disse. “E nós estamos totalmente junto com o BC nessa discussão. Ela está muito ligada a contratos e a formas de repasse da inflação do passado para o futuro”, disse.
Enquanto as reformas não são debatidas com mais intensidade, o Ministério da Fazenda vê no curto e médio prazo notícias que podem ser positivas para a inflação. A imposição de tarifas comerciais por grandes economias pode se tornar um alívio para preços na América Latina, devido ao excesso temporário de produção de bens na China, à queda nas cotações de commodities e ao enfraquecimento do dólar.
O economista Alexandre Chaia, professor do Insper, afirma que é uma questão de tempo para alguns indicadores, como o do mercado de trabalho, mostrarem maior retração. Para ele, a discussão sobre a potência da Selic na economia também está ligada à ausência de medidas por parte de governo e Congresso para se enfrentar o nível das despesas.
“O governo está dificultando a política monetária. Porque, com o incentivo ao consumo, com dinheiro para consignado privado, com emendas, ele incentiva o gasto em ano pré-eleitoral”, afirma. “A política monetária não está sendo [completamente] efetiva para reduzir as tendências de inflação, mas sei que ela está reduzindo. Então tem um efeito da política monetária, mas ela vai ser mais lenta porque o governo não está ajudando”, afirma.