BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto que flexibiliza e simplifica normas do licenciamento ambiental pode impulsionar empreendimentos potencialmente poluentes, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e obras do Novo PAC, além de reduzir áreas protegidas contra desmatamento.
O texto facilita a ampliação de obras de infraestrutura como rodovias, vetores da destruição de florestas, cria isenções para o agronegócio, federaliza a emissão de licenças automáticas e pode beneficiar o setor de mineração.
O projeto é impulsionado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e deve para ser votado até a próxima quarta-feira (21).
Como mostrou a Folha, Alcolumbre vê na proposta uma forma de pressionar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contrária à exploração de petróleo na Foz do Amazonas ele é grande interessado na atividade, pelo potencial de gerar arrecadação para o seu estado.
Tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem essa exploração.
Uma nova lei geral para o licenciamento é uma demanda tanto de ambientalistas quanto de setores da indústria e do agronegócio, que concordam que o atual sistema é defasado, mas divergem sobre como atualizá-las.
A bancada ruralista, principal fiadora da proposta, argumenta que o projeto traz para a lei procedimentos já usados para alguns locais ou setores, e os sistematiza, dando segurança jurídica.
Em geral, a lógica é simplificar e acelerar a análise do licenciamento ambiental, inclusive com a emissão de autorizações automáticas sem análise prévia, por meio da LAC (Licença por Adesão e Compromisso), que vale para atividades de pequeno e médio porte e potencial poluente. Por outro lado, o projeto pode ampliar possíveis punições a quem desrespeitar as novas regras.
O texto restringe as áreas de proteção ambiental que precisam ser consideradas nas análises e enxuga os mecanismos de participação de comunidades potencialmente afetadas.
“Em vez de racionalizar processos e estabelecer padrões mínimos que possam ser aplicados em todo o país, os parlamentares optaram por privilegiar o autolicenciamento e as isenções de licença”, afirma Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis) e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Ambientalistas apelidaram a proposta de “mãe de todas as boiadas” e “PL da Devastação”.
O projeto define que devem ser considerados no licenciamento apenas Terras Indígenas homologadas (fase final da demarcação) e Territórios Quilombolas titulados (já oficializados), excluindo processos de regularização em andamento.
Também reduz o raio de impacto do empreendimento que deve ser analisado e limita a atuação dos gestores de Unidades de Conservação no processo.
“O projeto estabelece critérios objetivos para a análise de impacto em áreas protegidas, considerando apenas aquelas homologadas ou tituladas, o que garante segurança jurídica. Os órgãos competentes continuam com papel ativo na definição de medidas de mitigação e compensação”, rebate a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), representante da bancada ruralista.
Segundo um levantamento do ISA (Instituto Socioambiental), o projeto exclui da análise de impacto ambiental 3.000 áreas (dentre indígenas, quilombolas ou de conservação), que “ficariam desprotegidos do licenciamento ambiental, sem quaisquer medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais ou de controle do desmatamento”.
Se este novo procedimento for adotado para o Novo PAC, quase 20 milhões de hectares que hoje teriam que ser considerados como sob potencial impacto dessas obras não precisariam mais ser levados em conta.
Isso inclui 37 rodovias do programa, que são vetores do desmatamento. A Universidade de Maryland concluiu que 95% da destruição da Amazônia acontece a um raio de 5,5 km da passagem dos carros.
O projeto dispensa o licenciamento para “serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura”.
Este dispositivo abre brecha para facilitar, por exemplo, obras do mesmo tipo que o asfaltamento do trecho do meio da BR-319 este empreendimento já está em análise e não seria diretamente beneficiado.
A rodovia hoje não é completamente pavimentada e, mesmo assim, é um vetor de desmatamento, de queimadas e ocupação irregulares, como mostrou a Folha.
A FPA defende que hoje diversas normas já dispensam do licenciamento obras de melhoramento e manutenção.
Dispositivos do projeto de lei podem beneficiar também os novos locais de exploração de petróleo na Foz do Amazonas que vão a leilão em junho e que é chave para o governo Lula conseguir ampliar as reservas brasileiras do fóssil, como mostrou a Folha.
O licenciamento do bloco 59, principal foco do debate sobre a Margem Equatorial, não seria diretamente alterado, mas o novo procedimento valeria para os 47 outros pontos que serão oferecidos no pregão.
Dispositivos do projeto de lei abrem brecha para que a Licença Ambiental Única, aplicada ao setor, dispense o EIA (Estudo de Impacto Ambiental), principal análise de impacto sobre a natureza do liceniamento.
O texto determina que “a autoridade licenciadora deve definir o escopo do estudo ambiental que subsidia o licenciamento ambiental pelo procedimento em fase única”, e exige apenas relatório e plano de controle ambiental, documentos mais simples.
Para a FPA, a proposta dá celeridade para empreendimentos simples, como “a exploração e produção de e petróleo em terra, em áreas ambientalmente já consolidadas”.
“Se a autoridade licenciadora entender ser necessário o EIA a licença não será deferida em fase única. A definição do instrumento de estudo adequado cabe exclusivamente ao órgão licenciador”, diz a FPA.
Finalmente, a mineração, ainda que siga obrigado a cumprir exigências ambientais próprias, poderia fazer uso da LAC, o que deve impulsionar a atividade em um momento de aumento da demanda por minerais críticos no Brasil, essenciais para a transição energética.
A extração de areia, diz a FPA, tem impacto pequeno, e por isso faz sentido que use um processo mais simples e rápido. Empreendimentos minerários na Amazônia, por outro lado, devem manter o procedimento tradicional.
Além disso, a proposta prevê que atividades do agronegócio ficam isentas de licenciamento, com exceção das de grande porte.