SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Bolívia, país onde foi preso na última sexta-feira (16) Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, vive um aumento da atividade do PCC (Primeiro Comando da Capital) nos últimos anos e se tornou um território importante na logística do tráfico de cocaína em direção ao oceano Atlântico. Há indícios de que várias lideranças da facção criminosa paulista estejam no país vizinho, segundo promotores de Justiça.
Tuta chegou ao Brasil neste domingo (18) e cumprirá pena na penitenciária federal de Brasília, onde também está Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da organização criminosa.
Relatos do aumento da atividade dos criminosos brasileiros na Bolívia constam em relatórios internacionais, em investigações do Ministério Público de São Paulo e em estudos acadêmicos. A presença no país de André de Oliveira Macedo o André do Rap por exemplo, já havia sido apontada em 2021 pelo promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), considerado um dos principais especialistas do país em PCC.
“O André do Rap está operando da Bolívia o tráfico internacional do PCC para a Europa a partir do Porto de Santos. No território boliviano, ele consegue agilizar, coordenar toda essa logística.”, disse Gakiya em novembro daquele ano.
No momento de sua prisão, em setembro de 2019, André do Rap era responsável por administrar a exportação de drogas da facção a partir do Porto de Santos, no litoral paulista, segundo informações divulgadas pela Polícia Civil de São Paulo. Era considerado sucessor de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue integrante da mais alta cúpula do PCC, e negociava remessas de drogas inclusive com a máfia calabresa ‘Ndrangheta, segundo as investigações.
Ele foi solto em outubro de 2020 por decisão do ministro Marco Aurélio Mello, então no STF (Supremo Tribunal Federal). Está foragido desde então.
Em 2023, o Ministério Público de São Paulo obteve informações de que outros líderes do PCC também estariam no país. “Existem sim informações de outros líderes do PCC na Bolívia. Inclusive o Patrick Uelinton Salomão, conhecido como Forjado, uma das principais lideranças hoje”, diz o promotor Silvio Loubeh, que também integra o Gaeco.
Há indícios de que também estão escondidos no país vizinho Silvio Luiz Ferreira, o Cebola (alvo da Operação Fim da Linha, que mirou o envolvimento do PCC em empresas de ônibus da capital); Sérgio Luiz de Freitas Filho, o Mijão; Francisco Antônio Cesário da Silva, o Piauí; e Pedro Luís da Silva Moraes, o Chacal. “Entre outros de menor importância na hierarquia, mas com forte atuação no tráfico”, completa Loubeh.
À época, a presença de Tuta na Bolívia também era conhecida, assim como seu papel à frente da sintonia final de rua, grupo com posição hierárquica mais alta entre os membros da facção em liberdade.
Ao menos desde 2018, investigação do Gaeco também apontava que Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, chegou a se estabelecer em Santa Cruz de La Sierra, mesma cidade onde Tuta foi preso. Da Bolívia, ele enviava drogas e armas ao Brasil, que acabavam sendo remetidas para vendas na Europa, África e Ásia. Fuminho foi preso em Moçambique, na costa oriental africana, em 2020.
A Bolívia hoje é o país com a terceira maior produção de cocaína no mundo, atrás de Colômbia e do Peru, segundo o Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Crimes e Drogas).
Segundo relatório do Departamento de Estado americano publicado em janeiro, o PCC “aumentou sua atividade na Bolívia”, assim como narcotraficantes de cartéis do México e da Colômbia.
Num artigo publicado neste ano, o pesquisador argentino Nicolas Lien e o brasileiro Gabriel Feltran, que estuda o PCC há décadas, afirmam que os clãs bolivianos de drogas consolidaram seu papel como produtores e fornecedores para mercados em centros urbanos no Brasil, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. Isso ocorreu, segundo os autores, por meio de parcerias com grupos criminosos de várias nacionalidades, em que os membros do PCC têm proeminência.
“Na última década, essa colaboração entre atores criminosos facilitou significativamente a expansão das exportações de cloridrato de cocaína da Bolívia para redes de distribuição de varejo, alcançando destinos tão distantes quanto a Polônia, no Leste Europeu”, escrevem Lien e Feltran.
“Grupos criminosos, principalmente do Brasil e, em menor escala, da Argentina, têm demonstrado interesse em estabelecer fortes alianças de cooperação logística com os líderes dos clãs de tráfico de drogas na Bolívia.”