SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao mesmo tempo em que ganhou destaque fora do Brasil por seu papel na reação aos ataques do 8 de Janeiro e no confronto com as big techs, o STF (Supremo Tribunal Federal) acumulou episódios de embates e críticas no cenário internacional que intensificaram a exposição do tribunal e seus ministros.
Embora esse protagonismo no exterior seja lido por especialistas como elemento da disputa política ligada ao bolsonarismo e a uma ação da extrema direita repetida em outros países, há críticas a condutas da corte que podem ter potencializado esse desgaste.
Em abril, o Supremo foi alvo de artigo de tom crítico da revista The Economist, que falou em poder excessivo dos ministros, e viu pedido de extradição do influenciador bolsonarista Oswaldo Eustáquio, alvo de mandados de prisão pelo tribunal, ser negado pela justiça espanhola. A corte espanhola afirmou que o caso envolve motivação política.
Em ambos os episódios, o STF reagiu. Em decisão considerada controversa, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a extradição à Espanha de um búlgaro acusado por tráfico de drogas, alegando falta de reciprocidade.
Já em relação à revista britânica, em um movimento que não é corriqueiro, o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, emitiu uma nota em português e inglês rebatendo a publicação. Nela, diz que o enfoque do texto correspondia “mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena”.
A reportagem questionou a assessoria do Supremo sobre a decisão de reagir à publicação, mas não houve resposta.
O artigo citava o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), num momento em que o bolsonarismo pressiona por um projeto de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Como alternativa, a cúpula do Congresso costura um projeto que prevê alteração de penas na lei.
Antes de ser citado em tom crítico na The Economist, Moraes também foi perfilado em longa reportagem da revista norte-americana The New Yorker. E, no ano passado, reportagem do The New York Times questionou: “O Supremo está salvando ou ameaçando a democracia?”.
Por outro lado, a corte foi defendida pelo presidente do Chile, Gabriel Boric, durante visita ao Brasil em abril. Para ele, decisões do STF de combate à desinformação foram “um exemplo mundial”.
Ao longo dos últimos anos, Barroso tem participado de diversos eventos no exterior, como palestras em universidades e eventos promovidos por grupos empresariais. Na semana passada, por exemplo, em encontro promovido pelo grupo Lide em Nova York, exaltou o papel do Supremo e do governo dos Estados Unidos em evitar um golpe no Brasil em 2022.
Outros temas frequentemente abordados pelo ministro no exterior são a regulação das plataformas digitais e o papel das supremas cortes na proteção das instituições.
Apesar de destacar a importância do papel do Supremo no enfrentamento do que descreve como ameaças existenciais à democracia brasileira e na pressão contra as plataformas, o professor da FGV Direito SP Oscar Vilhena avalia que há críticas que vê como corretas no artigo da The Economist.
Ele cita como exemplo o que vê como excesso de decisões monocráticas e instabilidade na jurisprudência.
“A melhor resposta do Supremo a esse tipo de crítica seria promover um conjunto de reformas internas, inclusive com a adoção de um código de conduta”, diz.
Vilhena considera ainda que a negativa ao pedido de extradição é sinal de alerta à corte. “De certa forma, há um dano reputacional de que ele [o tribunal] eventualmente está julgando politicamente um caso.”
CASO ALLAN DOS SANTOS
A controvérsia com a Espanha ocorre pouco mais de um ano após episódio similar com os Estados Unidos.
No início do ano passado, ainda sob a gestão de Joe Biden, o governo dos EUA comunicou ao Brasil que não poderia extraditar o influenciador bolsonarista Allan dos Santos por delitos que o país diz ver como crimes de opinião.
Gabriela Armani, doutoranda em ciência política na Universidade de Harvard nos Estados Unidos, avalia que, em comparação ao momento logo depois do 8 de Janeiro, mais vozes e narrativas têm sido ouvidas internacionalmente sobre a atuação do Supremo.
Ela cita o que vê como aliança de dois lobbies: do grupo vinculado ao bolsonarismo e das big techs que visam se contrapor a tentativas de regulação.
Alvo de congressistas republicanos e de ação na Justiça nos Estados Unidos, Moraes teve sua imagem projetada no exterior devido ao seu embate com o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter) e aliado do presidente Donald Trump. O episódio culminou na suspensão da plataforma no Brasil.
O ministro é alvo de uma espécie de campanha por sanções mobilizada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou da Câmara e foi morar nos EUA afirmando sofrer perseguição do Judiciário.
Professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do grupo de pesquisa Judiciário e Democracia, Rogério Arantes diz não ver o Supremo nem mais nem menos pressionado pelo contexto internacional. Para ele, o que pesa como fator decisivo, na verdade, seria uma maioria política no Congresso disposta a “partir para cima do tribunal”.
“Essa internacionalização não é obra nem iniciativa do tribunal. É uma reação do tribunal a uma extrema direita internacionalizada”, diz ele, fazendo um paralelo com a estratégia de internacionalização dos partidos comunistas no século passado.
Líder de pesquisa em tecnologia, poder e inovação no Weizenbaum Institute, na Alemanha, Clara Iglesias Keller diz que, no cenário internacional, há duas perspectivas sobre a atuação do STF.
De um lado, afirma, críticos com perspectivas mais extremas de liberdade de expressão apontam excessos por parte do tribunal. De outro, há quem veja a corte “como um exemplo de como os tribunais podem ou devem até atuar diante de um cenário de erosão democrática”.
Segundo ela, a partir da guinada do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, no início deste ano, com discurso de embate contra regulação das redes sociais e de alinhamento ao governo Trump, a atuação do tribunal no combate à desinformação ganha mais relevância.