BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Em uma virada surpreendente, o centrista Nicosur Dan, prefeito de Bucareste, venceu o ultranacionalista George Simion no segundo turno da eleição presidencial na Romênia. O pleito deste domingo (18), considerado por analistas o mais importante do país na fase pós-comunismo, tira o país de uma rota de colisão com União Europeia e Otan. Freia ainda a ascensão do bloco pró-Rússia na região, que já conta com Hungria e Eslováquia.

“Haverá um período difícil pela frente, necessário para o reequilíbrio econômico e para estabelecer as bases de uma sociedade saudável. Tenham esperança e paciência”, declarou o prefeito, um matemático que estudou na Sorbonne e leva a filha para a escola a pé, em forte contraste com os padrões da política local, em sua primeira manifestação.

Com quase 99% das urnas apuradas, Dan, 55, alcançava 5,83 milhões de votos, 54% do total, contra 46% de Simion, 38. O forte comparecimento, de quase 65%, 10 pontos percentuais a mais do que no primeiro turno, há duas semanas, notadamente de eleitores jovens, favoreceu o candidato independente.

O adversário, porém, contestava o resultado, alegando que a contagem de seu partido lhe dava uma vantagem de 400 mil votos. Chegou a se declarar vencedor em uma postagem no X. A argumentação se baseia muito nos números do primeiro turno, quando Dan recebeu 21% dos votos contra 41% de Simion, um ex-hooligan, admirador de Donald Trump e que comanda um partido que tem como plataforma anexar regiões da Ucrânia e Moldova.

Não à toa, Volodimir Zelenski e Maia Sandu, presidentes das nações vizinhas, foram rápidos em felicitar Dan pela vitória. Ursula von der Leyen, chefe da Comissão Europeia, declarou que os romenos “escolheram a promessa de uma Romênia aberta e próspera em uma Europa forte”.

Na Romênia, o presidente é responsável por política externa e segurança, o que inclui votações no âmbito da União Europeia. A ascensão de mais um populista causava preocupação no bloco. O país do sudeste europeu abriga ainda uma estratégica base antimísseis da aliança militar ocidental, contestada pela extrema direita pró-Rússia.

Acusações de interferência externa e censura governamental marcaram o fim de semana eleitoral, que teve início na sexta-feira (16) em outros países. Um quinto da população romena, de aproximadamente 20 milhões, vive fora do território, diáspora que reflete as severas condições econômicas de um dos países mais pobres da União Europeia.

Simion, que das arquibancadas de futebol ao Parlamento construiu uma imagem de agitador, com um discurso nacionalista e de soluções fáceis, trabalhava justamente essa frustração. Afirmava que iria acabar com a sensação de europeu de segunda classe dos romenos, conhecidos por abastecer o continente com trabalhadores da construção civil e agricultura, motoristas e faxineiros, mas também com profissionais qualificados de TI.

Aliados de Simion afirmam que o candidato foi prejudicado por uma censura generalizada das redes sociais, que teria sido imposta pelo governo romena para evitar nova ingerência russa. As acusações foram corroboradas até por grupos liberais, que registram até conteúdos de eleitores comuns sendo derrubados das plataformas.

Em novembro do ano passado, o ultradireitista Calin Georgescu foi tirado da disputa em controversa decisão judicial, logo após vencer o primeiro turno original da eleição, também anulado. Georgescu, com uma campanha baseada exclusivamente no TikTok, saiu do traço para a liderança nas urnas em questão de dias. Após o resultado, o serviço de inteligência do país disse ter constatado interferência russa, o que baseou a decisão da corte superior.

A Comissão Europeia abriu uma investigação contra a rede social chinesa, mas adotou posição mais prudente sobre o cancelamento do pleito, visto por parte dos eleitores como uma tentativa do establishment de se manter no poder. Simion, que chegou a dizer em uma live no Facebook que os juízes do caso mereciam apanhar, tornou-se o herdeiro natural dos votos de Georgescu, chegando a lhe prometer o cargo de primeiro-ministro.

Em entrevista na semana passada, Simion alimentou a hipótese de outro tipo de interferência, além da russa. Segundo ele, a França, um país de “tendências ditatoriais”, buscou influir no destino da eleição, com empenho pessoal de Emmanuel Macron e diplomatas. Neste domingo (18), a narrativa ganhou a adesão de Pavel Durov, fundador do Telegram, que declarou em postagem no próprio aplicativo que havia sido contatado para influir no resultado.

“Um governo da Europa Ocidental… entrou em contato com o Telegram, solicitando que silenciássemos vozes conservadoras na Romênia antes das eleições presidenciais de hoje. Recusei categoricamente”, escreveu Durov, que não revelou o país, mas acrescentou à postagem um emoji de baguete. “Não se pode ‘defender a democracia’ destruindo a democracia. Não se pode ‘combater a interferência eleitoral’ interferindo nas eleições. Ou se tem liberdade de expressão e eleições justas, ou não se tem. E o povo romeno merece ambas as coisas”, afirmou.

O ministério das Relações Exteriores da França declarou no X que as acusações eram infundadas. “A França rejeita categoricamente essas alegações e exorta todos a agirem com responsabilidade e respeito pela democracia romena.” Sem comentar o caso, o governo romeno denunciou uma “campanha viral de informações falsas”, notadamente no Telegrama, patrocinada pela Rússia.

Durov, russo exilado em Dubai, chegou a ser preso na França em processo que investiga o livre trânsito de pornografia infantil, tráfico e fraudes na plataforma que administra,

Macron fez gestões públicas na região, assim como diversos setores do empresariado romeno, que percebiam na ascensão de Simion uma degradação ainda maior da economia do país.