LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – “Deixa o Luís, deixa o Luís/ Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar/ Ele tem palavra, ele tem valor/ Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar”.
Luís é o premiê português Luís Montenegro, reconduzido ao cargo neste domingo (18). Sua coalizão de centro-direita, a Aliança Democrática, obteve 98 das 230 cadeiras do Parlamento, um avanço de 18 assentos em relação à composição atual.
A ultradireita, liderada por André Ventura -que na última semana de campanha passou mal por duas vezes e chegou a ser hospitalizado-, também cresceu. Dos 49 assentos, passa a 58. Este é o mesmo número obtido pelo Partido Socialista, principal força da esquerda e que governou Portugal por mais tempo desde a Revolução dos Cravos (1974). Eles perderam 20 cadeiras em relação às 78 da atual composição, em uma dura derrota. O cenário pode ainda ser pior porque faltam 4 cadeiras a serem definidas, que representam os votos do exterior. Na eleição passada, dois desses assentos foram para o Chega. Ou seja, há chance de os socialistas caírem para a terceira bancada no Parlamento.
O ambiente de festa no hotel Sana, onde se concentram os parlamentares da AD, contrastava com o clima de velório no hotel Altis, quartel-general do PS. Seu líder e candidato a premiê, Pedro Nuno Santos, anunciou que deixa o comando do partido após o revés. A decisão foi inesperada porque se acreditava que ele fosse comandar o PS pelo menos até as eleições municipais, que deverão ser em setembro.
A vitória de Montenegro tem dedo e estratégia brasileiros. A começar pelo jingle de campanha, que viralizou nas redes sociais.
“O jingle tem duas características: ele é popular e personalista”, diz o brasileiro Sérgio Guerra, marqueteiro de Luís Montenegro pela segunda eleição consecutiva. “Popular por causa da música, que se parece com um vira. Personalista porque usa o nome Luís, que aproxima o primeiro-ministro das pessoas”.
Em Portugal os políticos costumam ser conhecidos pelo sobrenome. De acordo com Guerra, a proposta do hino de campanha pegou. Montenegro passou a ser chamado de “Luís” pelos eleitores nos eventos de campanha.
Segundo o marqueteiro, o slogan “deixa o Luís trabalhar” surgiu logo nas primeiras reuniões com a equipe de comunicação. Coincidência ou não, a letra remete ao jingle de outro Luiz -Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Lula, que em sua campanha para a reeleição, em 2006, usou o slogan “deixa o homem trabalhar”, cantado em ritmo de xaxado.
O autor do hino da campanha de Montenegro, o músico baiano Periandro Cordeiro Nogueira, o Péri, já fez músicas para uma campanha de Lula, em 2002. O jingle de 2006 é de autoria de outro músico, o cantor Lázaro do Piauí.
O premiê de 52 anos, nascido no Porto e criado em Espinho, no norte de Portugal, nunca se destacou pelo carisma.
Foi sempre um homem da máquina do Partido Social Democrata, ao contrário da outra estrela da sigla, o extrovertido Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa -cargo que em Portugal equivale ao de prefeito. Um dos desafios da campanha era mudar essa imagem.
O publicitário Sérgio Guerra -que atua em Portugal, Angola e Cabo Verde, e tem no currículo as vitórias do governador baiano Jerônimo Rodrigues e o do deputado Jean Wyllis- conta que a estratégia de campanha foi montada em cima de um paradoxo.
Empossado em abril de 2024, Montenegro chefiava um governo com alta taxa de aprovação. Em fevereiro deste ano, no entanto, estourou o “caso Spinumviva”.
Uma empresa de propriedade da família do premiê prestava serviços a clientes com interesses no governo, entre eles um dono de cassinos, sendo que em Portugal o jogo é concessão pública.
As acusações de conflitos de interesses derrubaram a popularidade do primeiro-ministro, e levaram à queda de seu governo com a convocação de novas eleições. Montenegro decidiu se recandidatar, e convidou Sérgio Guerra para ser novamente seu marqueteiro.
“O paradoxo é que o primeiro-ministro sofreu uma crise de popularidade, mas seu governo seguia tendo uma alta taxa de aprovação”, diz o publicitário.
Era uma situação parecida com a de Lula em 2006, que vinha em voo de cruzeiro quando enfrentou a crise do mensalão. A estratégia de campanha, assim, abriu duas frentes. Uma delas propagandeava os feitos de Montenegro ao longo de 2024. Outra tentava popularizar a imagem do candidato. Orientada por pesquisas, a equipe de comunicação do premiê inverteu o assunto do primeiro outdoor.
A ideia inicial era abrir com o slogan de campanha, “Deixa o Luís trabalhar”. Decidiu-se, no entanto, começar com uma lista de realizações. A ideia era surfar na aprovação do governo para depois introduzir o personagem.
Um vídeo que viralizou na internet simboliza a transformação de “Montenegro” -outrora criticado pela sisudez e falta de carisma- no mais palatável “Luís”. Durante os festejos do 25 de abril, a data nacional portuguesa, o premiê recebeu no Palácio São Bento o cantor Tony Carreira, uma espécie de Amado Batista lusitano, ídolo da música pimba, o brega português. Luís juntou-se a Tony na interpretação da música “Sonhos de Menino”.
O marketing e as redes sociais ajudaram a colocar o caso da Spinumviva em segundo plano, mas não apenas eles. O premiê contou, ao longo da campanha, com o apoio de Aníbal Cavaco Silva, um ícone do Partido Social Democrata (PSD), sigla de centro-direita à qual Montenegro pertence.
Cavaco foi primeiro-ministro por dez anos, entre 1985 e 1995, período que coincide com a entrada de Portugal na União Europeia.
“Luís Montenegro não fica atrás de nenhum dos outros líderes partidários no que se refere à dimensão ética na vida pública”, disse o ex-premiê de 85 anos numa entrevista à Rádio Renascença para depois reafirmar o endosso em artigo para o jornal O Observador.
“Desde que saiu do poder, Cavaco Silva manteve distância da política partidária. Nunca havia participado tão fortemente da campanha de um candidato”, diz o cientista político português Jorge Fernandes, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas de Madri. “Esse apoio foi importante para que Montenegro ganhasse respeito dentro e fora do partido”.
As declarações e o artigo no Observador ajudaram a limpar a mancha da Spinumviva? “Creio que não. Quando perguntados, os portugueses apontam a corrupção como um dos maiores problemas do país, mas não deixam de votar em candidatos que são apanhados em algum tipo de delito”, afirma Fernandes.
Ele cita como exemplo o ex-premiê socialista José Sócrates, que foi reeleito em 2009 em meio a denúncias de corrupção e vídeos comprometedores que apareciam diariamente na imprensa.
O maior desafio para o premiê reeleito é manter um governo estável e duradouro. “É muito difícil obter maioria absoluta num parlamento tripartite, visto que não há possibilidade de acordo entre a centro-direita e a ultradireita”, afirma Fernandes, que é cético quanto a possibilidade de Montenegro completar seu mandato de quatro anos. O publicitário Sérgio Guerra discorda.
“Eu aposto num rearranjo de forças em que não vai ser interessante para ninguém outra eleição antecipada. Os portugueses querem estabilidade.”