CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Depois de receber aplausos efusivos no Grande Teatro Lumière, o principal do Festival de Cannes, a equipe de “O Agente Secreto” se reuniu com a imprensa brasileira a alguns metros do Palácio dos Festivais, num momento de comemoração pela entrega do filme na mais importante mostra de cinema do mundo.
Mais do que mostrar o cinema brasileiro nas telas de Cannes, porém, o diretor Kleber Mendonça Filho ainda levou o frevo e o Carnaval para o tapete vermelho, com uma orquestra que tocou e dançou ao vivo. “Fazer cultura e se expressar artisticamente faz parte do que uma nação significa”, disse ele sobre a importância do momento.
“Talvez a maior parte dos países tenha uma vocação para a cultura, mas a do Brasil é muito especial. Somos reconhecidos no mundo inteiro pela literatura, o cinema, o teatro, as artes plásticas. Eu acho que é absolutamente digno e honesto um país apoiar seus artistas e sua produção cultural. Eu tenho orgulho de ser artista num país assim”, acrescentou.
Mendonça Filho destacou ainda que “O Agente Secreto” só foi possível por causa de dinheiro público, mas não só do Brasil. França, Alemanha e Holanda entraram no filme como coprodutores por meio de seus próprios editais e programas de fomento, num projeto que empregou mais de 1.200 pessoas ao longo de sua produção.
Ao lado do diretor, o protagonista Wagner Moura celebrou ainda o fato de a ministra da Cultura, Margareth Menezes, ter acompanhado a sessão de estreia e também aquela conversa com a imprensa. Ao final, todos posaram juntos para fotos.
Em “O Agente Secreto”, Moura vive um professor universitário que é vítima de um Brasil violento, corrupto e dominado por um punhado de homens endinheirados e poderosos. Com matadores na sua cola, ele se refugia num complexo de apartamentos no Recife, que recebe foragidos como ele, apesar de nunca entendermos por completo os motivos que levaram cada um para aquele lugar.
“A história é sempre contada do ponto de vista dos dominadores, então rever essa parte da nossa história pelas lentes daqueles ‘refugiados’ num apartamentinho é importante, assim como foi importante ter a visão da Eunice Paiva [em ‘Ainda Estou Aqui’], para que a gente saiba que essas pessoas existiram, que havia maneiras de existir diferentes [daquelas de quem estava no poder]”, afirma o ator.
Ainda de gravata borboleta, Moura se mostrava empolgado por exibir seu primeiro filme na competição pela Palma de Ouro. Também diretor e cinéfilo, queria saber o que os jornalistas haviam achado dos outros filmes da competição, aos quais não teve a chance de assistir.
“O Agente Secreto” marca a primeira parceria de Mendonça Filho e Moura. O ator lembra que a relação dos dois surgiu sem intenções de trabalho. Em meio ao desmonte do Ministério da Cultura que começou com o governo Michel Temer e se aprofundou durante Jair Bolsonaro, eles se aproximaram, por questões políticas, “num momento em que estávamos sem saber o que fazer”, até que o projeto nasceu.
Nesse meio tempo, Moura chegou a lançar, ele próprio, “Marighella”, filme sobre a ditadura brasileira que lida com o período de maneira muito mais frontal que “O Agente Secreto” -este a usa como pano de fundo e ponto de partida para discussões que extrapolam os anos de 1964 a 1985, embora sejam causa e consequência dele.
“A ditadura foi há muito tempo e é muito louco que haja jovens no Brasil de hoje que se surpreendam quando sabem que ela aconteceu. A Lei da Anistia fez muito mal ao Brasil. Meu desejo de fazer ‘Marighella’ se confundia com o de ver a história contada de forma diferente”, afirma ele.
“‘O Agente Secreto’ é menos um filme sobre a ditadura e mais sobre o que aconteceu nela. Então o meu personagem não é um herói, ele não está tentando mudar o mundo, derrubar a ditadura. Mas quando vivemos em épocas distópicas, em que o topo da pirâmide, os governantes, irradiam valores tortos, qualquer um que queria ser uma pessoa decente sofre consequências.”
Moura acredita que o longa, por mais recheado de particularidades brasileiras que seja, tem potencial de se conectar com o resto do mundo justamente por isso. Ele lembra que regimes autoritários ainda existem e menciona o momento atual dos Estados Unidos sob um novo governo Trump. “Todos sabem o que é injustiça, autoritarismo. Cada sensibilidade, cada cultura vai interpretar esse filme de um jeito”, diz.