CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Todas as emoções que ficaram no ar em “Asteroid City”, filme apresentado por Wes Anderson no Festival de Cannes em 2023, caíram como um meteoro em “O Esquema Fenício”, novo longa do diretor que compete pela Palma de Ouro neste ano.
Apesar da melancolia que permeava os personagens em “Asteroid City”, o cerne do filme era uma fábula sobre encenar histórias, e como narrativas podem mudar dependendo do ponto de vista. Muito bem executado, o conceito mais frio, por assim dizer, não agradou a todos. Em “O Esquema Fenício”, por outro lado, a trama é altamente emocional -sem exageros dramáticos- sustentada por uma relação disfuncional entre pai e filha.
A história começa com a explosão de uma bomba no avião particular que carrega o magnata Zsa-zsa Korda, encarnado por um Benicio Del Toro que está em plena forma, desde “A Crônica Francesa”, para sustentar o protagonismo do filme. Seu personagem é uma mistura do empresário europeu fanfarrão, como Aristóteles Onassis, e o sogro de Anderson -um patriarca libanês expansivo, querido e ao mesmo tempo um tanto assustador.
Korda está se esquivando de múltiplas tentativas de assassinato, e decide recorrer a sua única filha -entre nove meninos- não só para sucedê-lo caso o pior aconteça, mas também para ajudá-lo a tirar do papel o empreendimento mais megalomaníaco de sua vida, uma estrutura gigantesca em meio ao deserto.
Todos os ingredientes à la Anderson estão ali -os cenários milimetricamente construídos, planos simétricos e personagens excêntricos e cômicos em suas dores, que combinados transportam o observador para uma realidade paralela meio fantástica.
Como de costume, o elenco é recheado de performances relâmpago de pesos-pesados de Hollywood. É o caso de Scarlett Johansson, Tom Hanks, Bill Murray, Willem Dafoe e Benedict Cumberbatch. Há ainda Michael Cera, que dá vida a Bjorn, assistente alemão nerd de Korda.
Entre tantas estrelas, a britânica Mia Threapleton foi escolhida para interpretar a filha de Korda, função que ela desenvolveu com louvor. Liesl, sua personagem, é uma freira às vésperas de realizar seus votos até ser cooptada pelo pai para acompanhá-lo em sua empreitada.
Os dois saem, então, ao lado de Bjorn, no encalço dos investidores do empreendimento. Entre as peripécias do trio, descobrimos que o expansivo e bem-sucedido Korda é severo com os filhos e ausente de suas vidas, se comunica à base de gritos com os sócios e enriqueceu por meio de mecanismos duvidosos. E, mais que isso, que seu comportamento é fruto de sistemas familiares enraizados.
Mas Korda sente culpa e quer se reaproximar da filha. Seus questionamentos existencialistas são materializados por Anderson de forma sagaz em momentos de quase morte do empresário, quando ele tem visões de si próprio sendo julgado no além. Enquanto isso, Liesl assume o papel de racionalizar as situações absurdas nas quais os dois se encontram.
A grande construção megalomaníaca, no final das contas, tem as mesmas proporções que as questões emocionais mal resolvidas por Korda.