LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – “Deixa o Luís, deixa o Luís/ Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar/ Ele tem palavra, ele tem valor/ Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar”.
Luís é o premiê português Luís Montenegro, que deverá ser reconduzido ao cargo -segundo pesquisa de boca de urna da Universidade Católica divulgada neste domingo (18), o centro-direitista tem de 29 a 34%% dos votos, ante 21% a 26% do socialista Pedro Nuno Santos. O cenário provável, porém, é que novamente ele não tenha maioria na Assembleia da República para governar sem precisar buscar alianças.
Na projeção da Universidade Católica, a Aliança Democrática – coligação de centro-direita que une o PSD de Montenegro com o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) – irá eleger de 85 a 96 deputados. Deve crescer em relação aos 80 parlamentares da eleição anterior, e provavelmente receberá o apoio da sigla Iniciativa Liberal, que elegerá de 6 a 12 deputados. A soma dos três partidos, no entanto, elegerá no máximo 108 deputados segundo a estimativa, menos que o necessário para obter maioria absoluta no Parlamento -116 de 230 deputados.
O ambiente de festa no hotel Sana, onde se concentram os parlamentares da AD, contrastava com o clima de velório no hotel Altis, quartel-general do Partido Socialista. A sigla que governou Portugal por mais tempo desde a Revolução dos Cravos pode acabar atrás do Chega, partido da ultradireita. Nas contas da Católica terá de 52 a 63 deputados, contra 78 nas eleições anteriores. Já a sigla liderada por André Ventura -que na última semana de campanha passou mal por duas vezes e chegou a ser hospitalizado- ao que tudo indica, vai crescer. Elegerá no mínimo 50, contra 49 na última eleição, e no máximo 61 parlamentares.
Caso o resultado favorável se confirme, a vitória de Montenegro tem dedo e estratégia brasileiros. A começar pelo jingle de campanha, que viralizou nas redes sociais.
“O jingle tem duas características: ele é popular e personalista”, diz o brasileiro Sérgio Guerra, marqueteiro de Luís Montenegro pela segunda eleição consecutiva. “Popular por causa da música, que se parece com um ‘vira’. Personalista porque usa o nome ‘Luís’, que aproxima o primeiro-ministro das pessoas”.
Em Portugal os políticos costumam ser conhecidos pelo sobrenome. De acordo com Guerra, a proposta do hino de campanha pegou. Montenegro passou a ser chamado de “Luís” pelos eleitores nos eventos de campanha.
Segundo o marqueteiro, o slogan “deixa o Luís trabalhar” surgiu logo nas primeiras reuniões com a equipe de comunicação. Coincidência ou não, a letra remete ao jingle de outro Luiz – Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Lula, que em sua campanha para a reeleição, em 2006, usou o slogan “deixa o homem trabalhar”, cantado em ritmo de xaxado.
O autor do hino da campanha de Montenegro, o músico baiano Periandro Cordeiro Nogueira, o Péri, já fez músicas para uma campanha de Lula, em 2002. O jingle de 2006 é de autoria de outro músico, o cantor Lázaro do Piauí.
O premiê de 52 anos, nascido no Porto e criado em Espinho, no norte de Portugal, nunca se destacou pelo carisma.
Foi sempre um homem da máquina do Partido Social Democrata, ao contrário da outra estrela da sigla, o extrovertido Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa -cargo que em Portugal equivale ao de prefeito. Um dos desafios da campanha era mudar essa imagem.
O publicitário Sérgio Guerra -que atua em Portugal, Angola e Cabo Verde, e tem no currículo as vitórias do governador baiano Jerônimo Rodrigues e o do deputado Jean Wyllis -conta que a estratégia de campanha foi montada em cima de um paradoxo.
Empossado em abril de 2024, Montenegro chefiava um governo com alta taxa de aprovação. Em fevereiro deste ano, no entanto, estourou o “caso Spinumviva”.
Uma empresa de propriedade da família do premiê prestava serviços a clientes com interesses no governo, entre eles um dono de cassinos, sendo que em Portugal o jogo é concessão pública.
As acusações de conflitos de interesses derrubaram a popularidade do primeiro-ministro, e levaram à queda de seu governo com a convocação de novas eleições. Montenegro decidiu se recandidatar, e convidou Sérgio Guerra para ser novamente seu marqueteiro.
“O paradoxo é que o primeiro-ministro sofreu uma crise de popularidade, mas seu governo seguia tendo uma alta taxa de aprovação”, diz o publicitário.
Era uma situação parecida com a de Lula em 2006, que vinha em voo de cruzeiro quando enfrentou a crise do mensalão. A estratégia de campanha, assim, abriu duas frentes. Uma delas propagandeava os feitos de Montenegro ao longo de 2024. Outra tentava popularizar a imagem do candidato. Orientada por pesquisas, a equipe de comunicação do premiê inverteu o assunto do primeiro outdoor.
A ideia inicial era abrir com o slogan de campanha, “Deixa o Luís trabalhar”. Decidiu-se, no entanto, começar com uma lista de realizações. A ideia era surfar na aprovação do governo para depois introduzir o personagem.
Um vídeo que viralizou na internet simboliza a transformação de “Montenegro” – outrora criticado pela sisudez e falta de carisma – no mais palatável “Luís”. Durante os festejos do 25 de abril, a data nacional portuguesa, o premiê recebeu no Palácio São Bento o cantor Tony Carreira, uma espécie de Amado Batista lusitamo, ídolo da música “pimba”, o brega português. Luís juntou-se a Tony na interpretação da música “Sonhos de Menino”.
O marketing e as redes sociais ajudaram a colocar o caso da Spinumviva em segundo plano, mas não apenas eles. O premiê contou, ao longo da campanha, com o apoio de Aníbal Cavaco Silva, um ícone do Partido Social Democrata (PSD), sigla de centro-direita à qual Montenegro pertence.
Cavaco foi primeiro-ministro por dez anos, entre 1985 e 1995, período que coincide com a entrada de Portugal na União Europeia.
“Luís Montenegro não fica atrás de nenhum dos outros líderes partidários no que se refere à dimensão ética na vida pública”, disse o ex-premiê de 85 anos numa entrevista à Rádio Renascença -para depois reafirmar o endosso em artigo para o jornal O Observador.
“Desde que saiu do poder, Cavaco Silva manteve distância da política partidária. Nunca havia participado tão fortemente da campanha de um candidato”, diz o cientista político português Jorge Fernandes, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas de Madri. “Esse apoio foi importante para que Montenegro ganhasse respeito dentro e fora do partido”.
As declarações e o artigo no Observador ajudaram a limpar a mancha da Spinumviva? “Creio que não. Quando perguntados, os portugueses apontam a corrupção como um dos maiores problemas do país, mas não deixam de votar em candidatos que são apanhados em algum tipo de delito”, afirma Fernandes.
Ele cita como exemplo o ex-premiê socialista José Sócrates, que foi reeleito em 2009 em meio a denúncias de corrupção e vídeos comprometedores que apareciam diariamente na imprensa.
O maior desafio para o premiê reeleito é manter um governo estável e duradouro. “É muito difícil obter maioria absoluta num parlamento tripartite, visto que não há possibilidade de acordo entre a centro-direita e a ultradireita”, afirma Fernandes, que é cético quanto a possibilidade de Montenegro completar seu mandato de quatro anos. O publicitário Sérgio Guerra discorda.
“Eu aposto num rearranjo de forças em que não vai ser interessante para ninguém outra eleição antecipada. Os portugueses querem estabilidade”.