BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Autor de decisões que contrariaram o Congresso Nacional, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino deu um despacho neste domingo (18) convocando uma audiência pública para 27 de junho com o objetivo de tratar da obrigatoriedade pelo governo federal da execução das emendas parlamentares.
Embora não antecipe juízo de valor sobre o tema, o ministro reproduziu no documento opiniões e estudos predominantemente críticos sobre os impactos das chamadas “emendas impositivas” na separação dos Poderes, na eficiência da gestão pública, na responsabilidade fiscal e no sistema presidencialista.
A obrigatoriedade da execução da maior parte das bilionárias emendas parlamentares e o seu volume alcançado –R$ 50 bilhões em 2025– são os principais instrumentos do recente empoderamento do Congresso.
Eventuais mudanças de regras têm potencial de gerar nova crise entre os Poderes.
“O tema das emendas parlamentares e sua impositividade reveste-se de inegável relevância do ponto de vista social, econômico e jurídico. Trata-se de discussão que envolve a interpretação do postulado da separação dos Poderes, assim como do direito fundamental ao devido processo orçamentário e do conjunto de normas que compõe a chamada ‘Constituição Financeira'”, escreveu Dino do despacho.
O ministro é o relator de ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo PSOL, Procuradoria-Geral da República e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo contra as emendas impositivas.
Desde 2015, amparado nas fragilidades políticas do Executivo no segundo mandato de Dilma Rousseff e nos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022), o Congresso aprovou de forma gradativa a obrigatoriedade da execução das emendas, assim como o expressivo aumento em seus valores.
Em 2015, cada deputado e senador tinha sob seu controle R$ 16 milhões em emendas, e o governo tinha o poder de não pagar nenhum centavo, se quisesse.
Em 2024, cada deputado teve ao menos R$ 38 milhões e cada senador, R$ 70 milhões. Além desse montante, há as emendas coletivas, gerenciadas pela cúpula das bancadas e do Congresso. No total, o Congresso manda em mais de R$ 50 bilhões ao ano –mais de R$ 135 milhões por dia, em média.
Em seu despacho, Dino citou estudo de Marcos Mendes e Hélio Tollini apontando que o sistema brasileiro é atípico, dando ao Congresso poder orçamentário muito maior que em 11 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) analisados.
Listou ainda opiniões, entre outras, do economista Felipe Salto, segundo quem não há hipótese de se promover um ajuste fiscal permanente sem mexer nas emendas parlamentares
O ministro afirmou no despacho que a audiência pública tem o objetivo de dar elementos técnicos para o julgamento plenário do STF da constitucionalidade das emendas impositivas, mas disse que decisões liminares antes disso podem ser tomadas “se isso se revelar imprescindível e urgente, à luz da
execução orçamentária de 2025 e da elaboração do Orçamento de 2026″.
Dino tem tomado decisões determinando a transparência e rastreabilidade das emendas, motivo de grande insatisfação no Congresso sob o argumento de invasão de competências.
Em 2024, ele determinou, em decisão monocrática, que o Executivo só poderia executar emendas parlamentares mediante prévia e total transparência, com a abertura de contas específicas para cada verba e a identificação nominal dos parlamentares “solicitantes” e da vinculação federativa das emendas aos estados de origem dos proponentes.
A decisão também restringiu a destinação das chamadas emendas de comissão, usadas pela cúpula do Congresso para angariar apoio entre os parlamentares.
Integrantes do Congresso acusam Dino de ativismo judicial e veem uma suposta articulação do governo por trás da iniciativa.