SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Faz dois anos que o casal Dilcilene Prado Anelli dos Santos, 51, e Ettore Marchiano, 51, sente que sua vida está anestesiada. Os dois dizem ter perdido o prazer de fazer atividades que antes adoravam, afastaram-se de seus empregos como babá e técnico em eletrônica e passaram a fazer terapia para lidar com um luto que não conseguem superar.
Eles são os pais de Gabriela Anelli Marchiano, torcedora do Palmeiras que morreu em 10 de julho de 2023, aos 23 anos, após passar dois dias internada na Santa Casa de São Paulo, para onde foi levada depois de ser atingida por uma garrafa nas imediações do Allianz Parque antes de uma partida contra o Flamengo.
“Parece que o ano passado não existiu. Desde quando aconteceu, em 2023, a gente parece que vive meio anestesiado. Mesmo passando por consultas médicas, psiquiátricas, psicólogas, fazendo terapia, parece que agora está pior. Não vai melhorando”, disse à Folha a mãe de Gabriela.
“Passarem-se quase dois anos e a gente vê que as pessoas ao nosso redor mudaram. Teve gente que se casou, teve filhos, teve isso e aquilo, e a nossa vida parou, a gente não consegue ter um convívio social”, conta o pai da torcedora.
Junto com a saudade da filha, o casal cultiva um desejo de Justiça, com a responsabilização do culpado pela morte da jovem.
Apontado como autor do crime, Jonathan Messias Santos da Silva, preso preventivamente desde julho de 2023, irá a júri popular a partir desta segunda-feira (19) no Fórum da Barra Funda.
Servidor concursado da Prefeitura do Rio de Janeiro, ele atuava como diretor e professor de uma escola na zona oeste da capital carioca na época do ocorrido. Ele nega ser o autor do crime.
A principal prova contra Jonathan é um laudo em 3D, a partir de um escaneamento do local com um aparelho a laser, feito pelo Instituto de Criminalística de São Paulo, reproduzindo virtualmente a confusão entre os torcedores de Palmeiras e Flamengo.
Também foi usado um drone para capturar imagens aéreas que ajudaram a delimitar com precisão a área reproduzida, que incluiu avatares como personagens.
A equipe do IC registrou em vídeo o trajeto da garrafa lançada, que atravessou o portão entre as torcidas e provocou um estampido, de acordo com o instituto.
Segundo os técnicos do IC, o vídeo reforça a hipótese de que Jonathan lançou a garrafa que feriu Gabriela no pescoço e causou sua morte.
Na decisão em que decretou a prisão preventiva do torcedor, a juíza Marcela Raia de Sant’Anna destacou a gravidade do ocorrido.
“O modus operandi por ele adotado, consistente em arremessar, raivosamente, uma garrafa de vidro contra a torcida adversária sem se importar com a integridade física dos torcedores rivais, demonstra que possui personalidade violenta e deve ser segregado do meio social”, escreveu Sant’Anna.
O advogado José Victor Moraes Barros, defensor do flamenguista, diz que o laudo do IC “atesta apenas uma probabilidade”.
De acordo com Barros, durante a defesa técnica, ele questionou o perito responsável. “Eu perguntei se ele poderia afirmar categoricamente [que foi Jonathan o autor do arremesso] através do laudo dele e ele disse que ‘não’, que o laudo apenas traz uma probabilidade”, explicou.
Além dos laudos técnicos, os advogados Yohann Sade e Pedro Gurek, que representam a família da jovem, afirmam que vão apresentar outras provas ao júri e estão confiantes na condenação, que pode variar de 12 a 30 anos de prisão, de acordo com os defensores.
“A gente tem plena confiança de que o júri vai ver aquilo que está claro nos autos”, disse Yohann Sade.
“É bom também destacar as qualificadoras. O motivo fútil, perigo comum, porque ao atirar a garrafa ele não atingiu somente a Gabriela, e, por último, ele impediu qualquer tipo de defesa da vítima”, acrescentou Pedro Gurek.
Dilcilene Prado Anelli dos Santos e Ettore Marchiano não sabem ainda se uma possível condenação de Jonathan lhes trará algum conforto. “Isso ainda é uma interrogação para nós. Acho que vai ser talvez uma vírgula, mas não um ponto final”, afirmou a mãe de Gabriela.