BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A aquisição de extensas áreas de municípios do interior de São Paulo para o cultivo de eucalipto e fabricação de celulose provocou um conflito de empresas do setor com produtores de cana da região, que afirmam que a obtenção dos terrenos é irregular.
Essas aquisições têm sido feitas por empresas ligadas à Bracell, que é controlada por acionistas estrangeiros.
A principal delas é a Turvinho Participações Ltda., uma subsidiária da Estrela SSC Holdings S.A., cujas ações são Em ações apresentadas à Justiça e ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Ascana (Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê) afirma que a compra desses terrenos rurais parte de um grupo econômico estrangeiro e precisaria de autorização do Incra e do Congresso Nacional.
O pano de fundo para as ações é a preocupação com o aumento dos preços dos terrenos rurais da região pelos produtores de cana. A entidade diz que a medida também incide em temas “relacionados à agroinflação e segurança alimentar”.
Procurada, a Turvinho afirma que é uma “empresa nacional com 51% do controle de capital por brasileiros e que é uma subsidiária integral da holding Estrela, também controlada por acionistas brasileiros” e que suas operações são “aderentes às restrições legais, inclusive ao parecer da Advocacia-Geral da União de 2010 que limitou a aquisição de terras por estrangeiros”.
“Não há qualquer impedimento de que uma empresa com controle de brasileiros atue na compra e arrendamento de terras rurais. O foco da atividade da Turvinho Participações é disponibilização de áreas -por meio de compra e arrendamento- para reflorestamento e fornecimento de madeira para a indústria de papel e celulose”, diz a empresa, em nota.
Já a Bracell não se manifestou. A companhia se define como “uma das líderes globais na produção de celulose solúvel especial”, que “baseia suas operações no cultivo sustentável de eucalipto e fábricas de última geração”.
Ela se identifica como uma “empresa-irmã” das outras que integram o Grupo Royal Golden Eagle, que tem sede em Singapura.
Segundo um levantamento encomendado pela Ascana, até outubro de 2024 as empresas que têm algum tipo de ligação com a Bracell já haviam comprado terrenos rurais em 28 municípios no entorno do centro-oeste paulista, sendo que em cinco deles a ocupação ultrapassa 10% do território.
O excedente está nos municípios de Fernão, Vera Cruz, Presidente Alves, Álvaro de Carvalho e Oriente –o último com 32% ocupados pelas firmas, de acordo com a pesquisa.
No total, o levantamento aponta que as empresas com ligações com a Bracell já são proprietárias de quase 100 mil hectares de terras rurais no estado de São Paulo.
A associação apresentou no último dia 25 uma representação ao Incra afirmando que a compra que excede o limite territorial de 10% fere a lei que disciplina a aquisição e o arrendamento de terras rurais por pessoas estrangeiras ou sociedades equiparadas a elas no Brasil.
“A necessidade de controle do território brasileiro é questão de segurança nacional, que terá reflexos em toda a política nacional relativa à ocupação territorial e questões agrárias”, diz a Ascana na ação.
No pedido ao Incra, a associação pede que seja reconhecida “a irregularidade insanável da aquisição e dos arrendamentos diretos e indiretos de terras rurais pelo Grupo Bracell”, o que implicaria a “nulidade de pleno direito dos negócios jurídicos já concretizados e, também, a proibição das novas aquisições e arrendamentos sem prévia autorização do Incra e do Congresso Nacional”.
Essa não é a primeira vez que a Ascana tenta rever as compras de terrenos pela Bracell. Em 2022, a associação também entrou na Justiça contra a empresa, mas o caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda definirá onde o processo deve tramitar.
Uma das justificativas da Ascana é que a Estrela SSC Holding S.A. recebeu aportes de mais de R$ 470 milhões da Bracell em 2018. Essa quantia, diz a entidade, fez as empresas ligadas à Bracell terem “capital social majoritariamente composto por sociedade estrangeira com sede no exterior”.
Na ação apresentada no Supremo, a defesa afirma que a empresa Bracell SP, que é controlada por acionistas estrangeiros, só tem imóveis urbanos correspondentes às suas instalações e “não é proprietária ou arrendatária de imóveis rurais e apenas celebra contratos de compra de madeira e contratos de parceria agrícola”.
Já sobre as outras empresas das quais é sócia, diz que é subsidiária da Estrela SSC Holding S.A. e da Turvinho, que “embora contenham participação societária das sociedades Bracell International PTE e Bracell Singapore PTE”, são controladas por pessoa jurídica brasileira.
Segundo a defesa da companhia, “as relações societárias, empresariais e comerciais entre o Grupo Bracell (…) nas empresas Estrela e Turvinho obedecem inteiramente à legislação brasileira”.
O Incra ainda não se manifestou a respeito do pedido da Ascana, que será analisado pela Procuradoria do órgão.
Uma das maiores disputas judiciais do Brasil, recentemente encerrada com um acordo, também tem relação com a aquisição de terras no Brasil por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.
No ano passado, o Incra solicitou a anulação da compra da Eldorado Celulose pela Paper Excellence.
A empresa foi comprada pela Paper, associação de companhias de origem canadense e malaia com um dono indonésio. A negociação foi selada em 2017 com a brasileira J&F.
Em maio deste ano, a J&F fechou acordo para recomprar a parte da Paper Excellence na Eldorado Celulose.
A atuação do Incra nesses casos nem sempre é uniforme e tratada caso a caso. O órgão não tem atuado em outras ações sobre compra de terrenos no Brasil por empresas estrangeiras.
No STF também há uma ação sobre a lei que regula a compra de imóveis rurais por estrangeiros. O processo está sob a responsabilidade do ministro André Mendonça.