SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores brasileiros estão coletando folhas em mangues amazônicos em busca de um mapeamento genético que, eventualmente, pode melhorar as ações de regeneração dessas áreas no Norte do país.

A pesquisa, parte do projeto Mangues da Amazônia, já finalizou grande parte da etapa de coleta de material, iniciada em fevereiro deste ano, e agora se dedica mais fortemente ao sequenciamento genético das espécies coletadas. Com esses dados em mãos, os cientistas começarão o processo de reflorestamento de algumas áreas de mangue, o que deve acontecer já no começo de 2026.

Todo o processo, segundo pesquisadores do projeto, tem participação de comunidades locais, o que também pode ser importante para a educação ambiental relacionada a mangues. Afinal, apesar de uma fama não muito destacada, essas são áreas de importância para biodiversidade e reprodução de espécies, além de importante para armazenar carbono –o que é importante na era da crise climática–, só para citar alguns pontos.

A ideia é que os reflorestamentos futuros sejam produzidos com as sementes provenientes de áreas com a maior variabilidade genética possível, o que, dizem acreditar os pesquisadores, deve levar a replantios de maior sucesso.

É possível que você já tenha tido contato com isso em relação a outros temas. A variabilidade genética é importante para aumentar a resiliência de espécies. Afinal, se há uma uniformidade genética muito grande em determinadas áreas, é muito mais fácil que algum problema possa se espalhar, sem encontrar resistência, dentro daquela população.

“Nós estudamos a variabilidade genética dessas áreas e podemos apontar: ‘olha, essa área tem maior variabilidade genética, é aconselhável ir lá como fonte de semente para as áreas degradadas'”, afirma Adam Bessa Silva, biólogo do projeto Mangues da Amazônia responsável pelo mapeamento genético das espécies.

Para que tal estudo seja possível, a equipe de pesquisa percorreu cerca de 150 km de manguezais coletando folha a folha –e bota folha nisso. Segundo Silva, estamos falando de 3.000 amostras.

Galeria Cientistas fazem mapeamento genético para recuperar mangues amazônicos Projeto desenvolvido no Pará busca elevada variabilidade para aumentar resiliência dessas áreasciência https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1832453411111007-cientistas-fazem-mapeamento-genetico-para-recuperar-mangues-amazonicos *** “Às vezes a gente nem precisa de tudo isso, mas a gente coleta muito, que é para garantir amostras congeladas para o futuro”, afirma o pesquisador à frente do mapeamento.

Após a coleta, já em laboratório, é feito o sequenciamento genético. Atualmente, segundo Silva, a fase de coleta está praticamente completa, faltando poucas áreas. “Chegar em certas áreas é um desafio”, diz. Os primeiros dados de sequenciamento genético vão ficando prontos aos poucos, mas devem estar totalmente fechados até o fim deste ano.

“As primeiras evidências que a gente já produziu apontam para um cenário de diversidade genética relativamente bem padronizado. É como se as áreas tivessem um padrão, embora com variações sutis, muito parecido de diversidade”, afirma Silva.

Arte HTML5/Folhagráfico/AFP https://arte.folha.uol.com.br/ambiente/2024/03/24/mangues-amazonicos/infografico3.html ***

Resiliência

Naturalmente, os mangues amazônicos, quando comparados a outros espalhados pelo país, já possuem maior variabilidade genética e resiliência, segundo Marcus Fernandes, coordenador do programa ProMangue (Programa Manguezal), do projeto Mangues da Amazônia, e responsável pelo Lama (Laboratório de Ecologia de Manguezal), na UFPA (Universidade Federal do Pará).

“Eles conseguem se ajustar melhor às mudanças que estão por vir, que já estão acontecendo e que já aconteceram”, afirma Fernandes.

Não podemos esquecer, porém, que a crise climática que vivemos deve colocar ainda mais pressão sobre todos os biomas do mundo. Então, quanto mais resilientes os ecossistemas, melhor.

O projeto, como um todo, considerando tanto reflorestamento quanto o sequenciamento genético, concentra-se na península de Ajuruteua, na Resex (Reserva Extrativista) Marinha de Caeté-Taperaçu, no município de Bragança, no Pará.

Esse local já está mapeado por pesquisadores do projeto Mangues da Amazônia, com informações, por exemplo, sobre estrutura da floresta, onde estão as espécies e quais dominam em determinadas áreas.

O mapeamento genético, portanto, cria uma nova camada à informação já existente.

Quando falamos em amazônia, é normal imaginar uma grande diversidade de espécies vegetais, o que poderia levar a um trabalho de mapeamento gigantesco. Essa, porém, não é a realidade dos mangues.

“Seis árvores montam todo esse universo”, afirma Fernandes.

Não são literalmente seis árvores, obviamente. Estamos falando de seis espécies típicas de manguezais.

“Essas seis montam toda a costa amazônica. E essas seis montam toda essa floresta extremamente produtiva, exuberante”, diz o coordenador do ProMangue.

Tais espécies, porém, não são endêmicas da amazônia. Na verdade, estão espalhadas por todo o Brasil, ou seja, podem ser achadas em mangues no país inteiro. São três mangues-vermelhos, dois mangues-pretos e um mangue-branco.

Como funciona a regeneração

Fernandes aponta que há três formas para fazer o replantio em áreas degradadas ou desmatadas.

A primeira é o plantio direto, no qual, basicamente, os pesquisadores plantam diversas sementes de árvores. “A gente faz com que elas façam uma competição entre elas para poder vingar a melhor”, afirma Fernandes.

A segunda forma é a indireta, na qual as sementes são desenvolvidas em viveiros e por lá ficam cerca de nove meses se desenvolvendo. O projeto tem dois viveiros, cada um com capacidade de até 20 mil mudas.

Finalmente, a última forma é o chamado transplante. Na época de reprodução, muitas sementes já caíram no chão e estão brotando próximo à árvore da qual se originaram. A maior parte dessas plantinhas não vai sobreviver. Os membros do projeto, porém, vão para campo e recolhem esses espécimes, que, por sua vez, podem virar mudas futuras ou só são replantados em outras áreas.

Por fim, vale mencionar que as espécies não são plantadas aleatoriamente. O projeto busca replicar o ambiente ao redor das áreas desmatadas ou degradadas, ou seja, em linhas gerais, mantendo os percentuais de composição vegetal da região.

Segundo Fernandes, os mangues amazônicos sofrem com questões semelhantes aos de outros pelo país, como com a questão do lixo e o esgoto, além de algum grau de desmatamento.

Fernandes ressalta ainda que, apesar de algumas pressões antrópicas, os extensos mangues amazônicos permanecem bastante preservados.

Por mais resilientes e preservados que sejam os mangues amazônicos, uma mãozinha sempre é bem-vinda. Seja replantando ou simplesmente não destruindo essas áreas muitas vezes cercadas por preconceitos, por seu cheiro não necessariamente agradável.