CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Não é preciso procurar muito para ver alguma semelhança entre o cinema de Jean-Luc Godard e Richard Linklater. Eles podem estar a um oceano e três décadas de distância, mas a influência do francês sobre o americano está lá, mesmo que na entrelinhas.
Tanto que Linklater decidiu homenagear Godard, morto há três anos, em seu novo filme, “Nouvelle Vague”, exibido dentro da competição pela Palma de Ouro neste Festival de Cannes.
Batizado pelo nome do movimento francês do qual Godard foi um dos pais, o filme é uma carta de amor ao cinema, especialmente o francês, por mais estranha que seja a união do diretor de “Pierrot le Fou” –ou “O Demônio das Onze Horas”– a alguém que fez “Escola de Rock”.
Mas Linklater também fez a reflexiva Trilogia do Antes e expressou capacidade de capturar a vida real com delicadeza em “Boyhood: Da Infância à Juventude”, tornando-o apto para a tarefa. O resultado não é uma Palma de Ouro, mas um filme simpático, como costuma ser o caso na cinematografia do americano.
“Nouvelle Vague” acompanha os bastidores de “Acossado”, uma das joias da coroa do cinema francês. Zoey Deutch dá vida a uma Jean Seberg em seu auge, sagaz e cheia de personalidade, enquanto Aubry Dullin vive um Jean-Paul Belmondo à beira do estrelato mundial, com todo o carisma e charme do ator, morto há quatro anos. Também desconhecido, Guillaume Marbeck se junta ao elenco como Jean-Luc Godard.
Outros assumem papéis menores, vivendo nomes como Agnès Varda, Jacques Demy, Suzanne Schiffman, Claude Chabrol, François Truffaut, Jacques Rivette e toda a nata do cinema francês dos anos 1960.Para os cinéfilos que frequentam Cannes, “Nouvelle Vague” é um deleite.
Um filme encantador, fofo e de uma leveza que o contrapõe à dureza dos outros longas exibidos na competição até aqui. Para quem não está familiarizado com o movimento francês, talvez funcione como convite para conhecer seus mestres –ou seja simplesmente enfadonho.
Godard e Linklater compartilham o gosto pelos diálogos longos, refinados e despidos de grandes momentos –notadamente em “Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr do Sol” e “Antes da Meia-Noite”. “Nouvelle Vague” pode até não se demorar nas conversas, mas seu ritmo é desacelerado, há esmero em recriar as cenas de “Acossado” e seu humor é de nicho.
Ambos também usam seus filmes para pensar o mundo e por vezes lançam mão da metalinguagem. “Nouvelle Vague” é um grande uso do recurso e, num momento cômico desta première, vemos um Godard ainda crítico de cinema, na Cahiers du Cinéma, passeando por Cannes durante seu festival.
Mas é claro que Godard é infinitamente mais provocador que Linklater, seja na personalidade ou no cinema. E, com seu gênio sabidamente difícil, até mesmo arrogante, é difícil pensar que ele aprovaria “Nouvelle Vague”. Os frequentadores de Cannes, por outro lado, parecem satisfeitos com o que viram, após uma première encerrada por aplausos efusivos.