SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2012, um padre disse o que pensava sobre “o estilo de vida homossexual” e “famílias alternativas compostas por parceiros do mesmo sexo e seus filhos adotivos”: isso era coisa da mídia ocidental, “extraordinariamente eficaz em fomentar no público em geral uma enorme simpatia por crenças e práticas que estão em desacordo com o Evangelho”.
Nada que destoasse do pensamento médio do clero católico de então. No ano seguinte, começou o papado de Francisco. Pelas mãos do novo pontífice, aquele sacerdote avesso à pauta LGBTQIA+, como tantos outros, viraria bispo em 2014.
Feito cardeal em 2023, voltou a ser questionado sobre o tema: mantinha as mesmas posições de antes? Foi aí que Robert Francis Prevost admitiu que “muitas coisas mudaram”.
“Eu diria que houve um desenvolvimento”, afirmou à época. A doutrina católica permanecia a mesma, ou seja, a homossexualidade ainda é considerada pecado pela Santa Sé. Mas ele reconhecia a “necessidade de a Igreja se abrir e ser acolhedora”. “Acho que o papa Francisco deixou bem claro que ele não quer que as pessoas sejam excluídas simplesmente com base nas escolhas que fazem”, afirmou o americano.
Prevost, agora, é o papa Leão 14. Junto com sua ascensão vieram inquietações sobre como ele lidará com a pauta LGBT+ no seu pontificado. Nesta sexta-feira (16), deu sinais de que não vai alterar pilares da Igreja, como o conceito de família, ao reafirmá-lo como “união estável entre homem e mulher”.
Defensores da causa temem que ele recue algumas casas em relação ao antecessor. Conservadores pensam o mesmo, com sinal trocado: que siga os passos do papa anterior e flexibilize ainda mais a postura da Igreja diante dessa comunidade.
Pela régua secular, Francisco não era exatamente um totem progressista no tema. Na métrica clerical, contudo, representou “um avanço pastoral sem precedentes”, diz Jeferson Batista, doutorando em antropologia na Unicamp que pesquisa o impacto papal nesse campo.
“Esse legado pode ser resumido em dois eixos principais: Francisco condenou leis civis repressivas e discriminatórias baseadas na orientação sexual e identidade de gênero e reconheceu a presença dessas pessoas no interior da Igreja, incluindo a possibilidade inédita de abençoar casais homossexuais.”
O que esperar do sucessor? Considerando o histórico de Prevost e seus primeiros gestos como líder da Cúria Romana, “tudo indica que ele não deverá retroceder nesse caminho”, afirma Batista.
O novo pontífice deu mostras de que pretende honrar o papado de Francisco. “É difícil imaginar que revogaria uma ação dele. No entanto, é possível que aprofunde a orientação de respeitar as realidades das igrejas locais. Ou seja, onde as bênçãos [a casais do mesmo sexo] já acontecem, elas seguirão. Onde não ocorrem, não serão forçadas. Dessa forma, mantém-se o avanço em curso sem desconsiderar as resistências mais conservadoras dentro da instituição”, avalia o antropólogo.
Em 2013, a The Advocate, publicação referência no campo da diversidade sexual e de gênero, escolheu o recém-empossado Francisco como a pessoa do ano. Mal começara no cargo, já tinha dito “quem sou eu para julgar [homossexuais], e também usou o termo gay, algo inédito para um papa.
A mesma Advocate sublinhou que, em seu primeiro discurso como papa, Leão 14 defendeu uma Igreja “que constrói pontes e diálogo”, mas isso não diminui a atenção com falas antigas de Prevost. Como bispo no Peru, disse que “a promoção da ideologia de gênero é confusa, porque busca criar gêneros que não existem”. Na época, ele se opunha à inclusão de conteúdos sobre gênero na grade escolar local.
Para Luís Rabello, coordenador da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+, o fato de Prevost ter se inspirado em Leão 13 para escolher seu nome papal diz muito. Veio desse pontífice, que comandou o Vaticano de 1878 a 1903, uma encíclica que moldou a doutrina social da Igreja -sua atenção maior era para as péssimas condições trabalhistas durante a Revolução Industrial.
“Isso revela o desejo de olhar com atenção para a nova revolução que se dá no mundo, a tecnológica, e de discernir, à luz da fé, os caminhos que a Igreja deve seguir em meio a tantas mudanças”, afirma Rabello.
No século 21, isso significa também construir pontes com grupos LGBT, em vez de dinamitá-las, diz o ativista católico. Agora é esperar se quem vai prevalecer é o padre Prevost de 2012 ou o cardeal de 2023, mais em sintonia com Francisco.