SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, encerrou nesta sexta-feira (16) um giro de três dias pelo Oriente Médio com louros econômicos. O saldo político da jornada, contudo, é questionável: o republicano tirou o chapéu para líderes autoritários outrora criticados por ele e não conseguiu costurar qualquer acordo para diminuir a instabilidade na região, uma de suas promessas de campanha.

A primeira grande viagem de seu segundo mandato ainda foi marcada pelo conflito de interesses. Trump passou por Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos, países endinheirados do golfo Pérsico onde a empresa familiar do presidente, a Trump Organization, expandiu negócios imobiliários nos últimos meses.

Dias antes de o republicano embarcar, seus filhos já estavam no Oriente Médio preparando o terreno para acordos que beneficiarão a companhia, segundo o jornal americano The Washington Post.

As acusações de gestão antiética só aumentaram depois que Trump posou sorridente, na terça-feira (13), ao lado de Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita acusado de envolvimento no assassinato, em 2018, do jornalista Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do regime de Riad.

Antevendo as críticas, Trump disse, antes da viagem, que o objetivo era fechar negócios, não falar de política. Nesse ponto, o maior êxito do republicano foi a concretização de um acordo no qual a companhia aérea estatal do Qatar se compromete a comprar até 210 aeronaves Boeing 787 Dreamliner e 777X. O pedido da Qatar Airways é, segundo o republicano, o maior já recebido pela fabricante dos EUA na história.

Trump declarou o objetivo de assinar acordos que chegassem a um valor combinado de US$ 1 trilhão (R$ 5,7 trilhões). Mas essa quantia é questionada por economistas, que a descrevem como irreal e apontam falta de transparência nos contratos firmados. No caso dos jatos da Boeing, por exemplo, os valores chegariam a US$ 96 bilhões (R$ 546,4 bilhões), mas não foram divulgados prazos para os pedidos.

O líder republicano tem minimizado o debate sobre conflitos de interesses. Sem delongas, indicou que aceitaria um avião oferecido de presente pela família real qatari estimado por especialistas em US$ 400 milhões (R$ 2,27 bilhões). A aeronave pode ser o item mais caro já doado ao governo dos EUA na história.

A oposição não poupou críticas. Segundo a Constituição, presidente e vice são isentos das leis de conflito de interesses, mas não podem receber presentes de estrangeiros sem o consentimento do Congresso.

Durante toda a viagem, Trump foi acolhido com extravagância. Gestos simbólicos também pareciam bajular o presidente e os demais integrantes da delegação. No Qatar, por exemplo, a comitiva americana foi conduzida por veículos Cybertruck, da Tesla, empresa cujo proprietário é o bilionário Elon Musk, braço-direito do líder republicano.

“Eles [governos dos países visitados] estavam famintos por amor. Porque o nosso país não lhes deu amor; apenas cumprimentava com um soquinho”, disse Trump na quinta -feira (15) em referência ao encontro tenso, em 2022, de seu antecessor, Joe Biden, com Mohammed bin Salman –o democrata havia criticado a situação local dos direitos humanos, mas se viu forçado a negociar o aumento da produção de petróleo.

Trata-se de uma mudança no discurso. Em 2017, Trump disse que o Qatar era “financiador do terrorismo em um nível muito alto”. Já na quarta-feira (14), afirmou considerar o emir do país, Tamim bin Hamad Al Thani, e o príncipe saudita “caras altos e bonitos e que, por acaso, também são muito inteligentes”.

Ainda que tenha prometido o contrário, Trump não pôde evitar os pitacos políticos. Enquanto Israel mantém seus bombardeios na Faixa de Gaza, ele afirmou que “muitas pessoas estão morrendo de fome” no território palestino, dando um novo sinal do aparente distanciamento entre Washington e Tel Aviv -o país de Binyamin Netanyahu não entrou no roteiro de viagens do presidente americano.

E Trump fracassou quando ensaiou uma tentativa de reeditar os históricos Acordos de Abraão, nos quais os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein concordaram, durante o primeiro mandato do republicano, em reconhecer a existência do Estado judeu. Desta vez, a situação é ainda mais complexa, e os sauditas reiteraram a Trump que não haverá normalização com Tel Aviv sem a criação de um Estado palestino.

Trump havia cogitado incluir em seu roteiro a Turquia, onde delegações de Moscou e Kiev fizeram negociações diretas pela primeira vez desde 2022. Nessa frente, tampouco houve avanços significativos. Com a ausência de Vladimir Putin, as partes não chegaram a um cessar-fogo, e o republicano desistiu de viajar a Istambul. Antes de ser eleito, ele prometeu encerrar o conflito em 24 horas.

“Vou embora agora e entro em um Boeing de 42 anos. Mas novos [modelos] estão chegando”, disse Trump ao embarcar de volta para os EUA, sem especificar a quais aeronaves se referia.