CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Sangue vivo escorrendo, misturado a água corrente, pelos azulejos brancos de um chuveiro. É assim que começa o intenso “The Chronology of Water”, estreia de Kristen Stewart na direção de um filme.
O longa é uma adaptação do livro homônimo de Lidia Yuknavitch, uma espécie de narrativa poética de suas próprias memórias. Quando criança, Yuknavitch sofreu abuso sexual de seu pai, trauma que a acompanhou durante vários anos de sua vida.
Stewart reconstrói os contos de Yuknavitch dando a eles o aspecto de memórias. Cenas do passado se misturam a linha do tempo presente em tela, como lapsos de lembranças -como se estivéssemos na cabeça da protagonista e revivêssemos com ela detalhes de sua vida, dos mais felizes aos mais brutais, enquanto acompanhamos sua caminhada para o futuro.
Tudo isso em cores mais saturadas ou pastéis, como se todo o filme estivesse sob uma espécie de filme vintage.
Em alguns momentos, o filme quase é uma obra lírica em vídeo, algo comum no mundo das artes plásticas. Mas a narrativa, composta por pequenos triunfos e tragédias, está sempre presente e é de alta tensão. Acompanhamos a formação de Lidia no colégio, seu desejo de se tornar nadadora profissional esmaecendo, sua descoberta sexual na faculdade e o vício em álcool e drogas e, por fim, sua redenção -não livre de recaídas- por meio da escrita.
O estilo de direção pouco convencional combina com Stewart, conhecida como uma das atrizes mais rebeldes e descoladas de Hollywood.
Quando subiu no palco do Debussy, segundo maior cinema do Palácio dos Festivais, para a estreia de seu filme nesta sexta-feira, Stewart repetiu a palavra “fuck” pelo menos cinco vezes em seu discurso.
Como atriz, porém, ela já carrega 20 anos de carreira nas costas. Seu sucesso estrondoso veio em 2008, quando ela deu vida a Bella Swan na saga “Crepúsculo”, mocinha disputada por um vampiro melancólico interpretado por Robert Pattinson e um lobisomem sarado encarnado por Taylor Lautner.
As adaptações para o cinema da saga escrita por Stephanie Meyer renderam a Stewart uma orda de fãs adolescentes pelo mundo. Na época, Stewart e Pattinson até chegaram a namorar fora das telas, mas a relação durou pouco.
Poucos anos depois, Stewart se declarou bissexual e se tornou uma espécie de símbolo em Hollywood para a comunidade LGBTQIA+ -no mês passado, a atriz se casou com a roteirista e produtora Dylan Meyer.
A sua verdadeira paixão, como já disse várias vezes em entrevistas, é o cinema independente, e dirigir sempre esteve em seus planos. Desde que leu o livro de Yuknavitch até a estreia de “The Chronology of Water” na Croisette, foram oito anos, completados enfim com um filme que transmite o fluxo de emoções que Stewart disse exigir de um filme assinado por ela mesma.