SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Giovani Tozi cursava seu doutorado em artes cênicas quando trombou com o existencialismo de Albert Camus, que o deixou pensativo. “O que acontece quando a vida parece não fazer mais sentido e, ainda assim, tem que continuar?” A questão virou o mote de uma peça que mistura humor, ficção científica e Carlos Drummond de Andrade.
Para falar de perda e resiliência, pegou emprestado do poeta itabirano o título -“Não se Mate”, do livro “Brejo das Almas”-, e recortou ainda trechos de alguns de seus textos mais conhecidos, como “Poema de Sete Faces”, “Quadrilha”, “Congresso Internacional do Medo”, “No Meio do Caminho” e “E Agora, José?”, selecionados pela afinidade de Tozi.
Na peça, Carlos, artista plástico interpretado por Leonardo Miggiorin, perdeu a mãe, terminou com a namorada e foi demitido de seu emprego. Tem ainda questões mal resolvidas com seu pai, Orlando, alcoólatra que morreu na infância do rapaz.
Prestes a se afundar nas próprias derrotas, encontra novas perspectivas ao começar a receber mensagens de um homem misterioso, José, que aparece sempre através de áudios, com a voz emprestada pelo ator Luiz Damasceno.
A trama avança, então, para um caminho que lembra “Interestelar”, de Christopher Nolan, ao cruzar passado e futuro -mas é “Dark”, o sucesso alemão da Netflix sobre viagem no tempo, que Tozi cita como sua principal referência. Tudo, é claro, costurado arrematado pela poesia drummondiana.
“O Drummond sempre foi o fio que costura esse caos que o personagem está vivendo”, diz o diretor. “O personagem tem uma série de perdas simultâneas. Sempre que a gente está no meio do oceano sem enxergar a terra, precisa de uma boia de salvação, e os poemas entram nesse lugar.”
Tozi quis que os versos deslizassem sobre as cenas de forma imperceptível. “De repente, o personagem fala um poema, e quem não conhece fica meio em dúvida se é a história ou poesia. A nossa ideia era borrar tudo.”
“Não se Mate” estreou em uma versão gravada em 2021, na plataforma de transmissão do Sympla, um ano após começar a pandemia de Covid-19, que cercou todos de mortes, como diz o dramaturgo, dando um novo peso ao texto da peça. A tragédia real, no entanto, não afastou a comédia da encenação. “O humor é uma forma de sobrevivência. A gente ri do abismo, mas não finge que ele não está ali.”
“O Giovani usa o humor de uma forma muito inteligente para falar do medo do futuro que a gente tem, da falta de coragem para refazer a vida”, complementa Miggiorin.
O ator esteve recentemente na novela “Beleza Fatal”, da Max, como Rafuda, um presidiário de rosto moldado por procedimentos estéticos que se envolve numa fuga de cadeia. “Eu gosto de trabalhar com personagens que possibilitam uma curva dramática, uma complexidade que me interessa”, ele afirma.
“O Giovani mistura várias linguagens, e me considero um artista que busca cada vez mais diferentes expressões. Acho que ele pensou em mim acreditando que eu pudesse dar conta dessa complexidade do personagem. É uma peça que fala sobre suicídio, mas não de uma forma panfletária ou em primeiro plano.”
Também psicólogo, Miggionrin se animou com o encontro de seus dois interesses num projeto, o teatro e a saúde da cabeça. Ator desde a adolescência, o palco é onde ele encontra o equilíbrio, ele afirma. “Eu saio só da questão mental, que às vezes me angustia muito, e coloco o corpo na ação.”
Alimentados pela repercussão positiva da peça em sua versão online e nas cidades por que já passou, incluindo Itabira, berço de Drummond, ator e diretor vieram para São Paulo tranquilos de que seriam bem recebidos. “Acho que o Drummond ia gostar dessa peça aqui”, diz Tozi.
NÃO SE MATE
Quando Até 25 de maio. Sáb. a ter., às 20h
Onde Teatro Itália – av. Ipiranga, 344, São Paulo
Preço R$ 80
Classificação 10 anos
Elenco Leonardo Miggiorin
Direção Giovani Tozi