Em um mundo cada vez mais acelerado, com excesso de estímulos e carência de afeto, uma prática tem despertado fascínio e controvérsia: os bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos em cada detalhe, com direito a nome, enxoval, certidão de nascimento e consultas médicas simbólicas. Vendidas por valores que podem chegar a R$ 9,5 mil, essas figuras esculpidas à mão viralizaram nas redes sociais, impulsionadas por vídeos de mulheres que “cuidam” desses bebês como se fossem reais.

Entre as entusiastas, nomes como Britney Spears e Gracyanne Barbosa já apareceram embalando, alimentando e até amamentando seus reborns. Com a exposição, surgiram também os julgamentos: seria isso um distúrbio emocional disfarçado de afeto? Ou apenas um hobby como qualquer outro?

Segundo o psicólogo Marcelo Santos, do Mackenzie, a resposta não está em rótulos precipitados: “Não dá para diagnosticar sem entender o contexto. A motivação é tudo”. Para muitos, os reborns são uma forma de relaxamento, expressão artística ou até ferramenta de conexão emocional.

A artesã Andrea Janaína Mariano, mãe de quatro filhos e avó, está no universo reborn há mais de 10 anos. Ela coleciona, cria e comercializa bonecas e organiza encontros em São Paulo com outras apaixonadas pela prática. “As pessoas acham que estamos brincando de boneca, mas é arte. É como quem coleciona carros em miniatura ou action figures”, explica.

Grande parte dos vídeos que viralizam, inclusive, são encenações criativas chamadas de role play, pensadas para entreter e valorizar o artesanato. “Depois da gravação, a boneca volta para a prateleira. Ninguém vive 24h essa fantasia”, garante Andrea — embora admita que existam raros casos de exagero.

Mas quando o fascínio se torna preocupação?

Para a psicóloga Rita Calegari, o alarme só soa quando a relação com o reborn afeta negativamente a rotina ou os vínculos reais. “O limite está no quanto essa prática interfere na vida da pessoa”, explica. Sinais de alerta incluem isolamento social, fuga de responsabilidades, compulsão por gastos e dificuldade de distinguir fantasia e realidade.

Por outro lado, a prática pode ter efeito terapêutico. Bebês reborn já foram utilizados com pacientes com Alzheimer, em situações de luto gestacional ou como instrumento de regulação emocional em contextos de ansiedade e solidão. “É comum mães de bebês natimortos relatarem que não conseguiram sequer segurar seus filhos. Para algumas, o reborn é uma forma de elaborar esse luto”, diz Rita.

Além da saúde mental, o tema toca em outro ponto sensível: o gênero. “Homens gastam fortunas com videogames, aeromodelos, itens de colecionador, e isso raramente é tratado como um problema”, aponta Rita. “Por que então mulheres com bonecas são alvo de piadas ou diagnósticos amadores?”

Essa cobrança revela um julgamento disfarçado de preocupação. “Dizem que deveríamos ter filhos de verdade. Mas muitas de nós já os temos. Ou simplesmente não querem ser mães”, desabafa Andrea. “Isso também é uma forma de empoderamento: a mulher pode brincar de ser mãe — sem precisar ser de fato.”

No fim, como lembra o psiquiatra Alaor Carlos de Oliveira Neto, do Hospital Oswaldo Cruz, um hobby é saudável quando amplia a vida, e não quando a restringe. Com equilíbrio, um bebê reborn pode ser só isso: uma boneca feita com arte, emoção e um toque de sonho.