BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A uma semana do anúncio do primeiro congelamento de despesas do Orçamento do ano, técnicos do governo estimam um valor de até R$ 20 bilhões de aperto fiscal. A área econômica quer garantir que, nas discussões finais, o contingenciamento e o bloqueio nos gastos não fiquem abaixo do piso de R$ 10 bilhões para não comprometer o plano de voo para o cumprimento da meta fiscal de déficit zero.
Especialistas em contas públicas ouvidos pela reportagem calculam que seria necessário um aperto do lado das despesas de R$ 15 bilhões a R$ 24 bilhões, mas avaliam que a opção do governo será não fazer um corte “sangrento” agora, diluindo o seu impacto ao longo do ano, como ocorreu em 2024.
Os números não estão fechados, porque a área orçamentária ainda não recebeu todos os dados de receita e despesas que vão embasar a decisão. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá ainda uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), antes da JEO (Junto de Execução Orçamentária), para discutir o tema.
O anúncio está previsto para o próximo dia 22, quando o governo envia o relatório bimestral de avaliação de despesas e receitas do Orçamento ao Congresso. A equipe econômica já deve incluir no relatório a abertura de uma crédito extra de R$ 12 bilhões, que o governo poderá dispor neste ano devido à inflação maior observada em 2024. Esse crédito está previsto no arcabouço fiscal.
Para o economista-chefe da XP, Caio Megale, nesse primeiro relatório bimestral o governo deve fazer apenas metade do congelamento de despesas que precisa. “O governo tem demonstrado um perfil de fazer aos poucos. Ele não vai anunciar neste primeiro bimestral, um contingenciamento duro, sangrento, apesar da necessidade”, prevê.
Os cálculos da XP apontam a necessidade de um contigenciamento de R$ 15 bilhões e outros R$ 9 bilhões de bloqueio, totalizando R$ 24 bilhões. O bloqueio é feito para o cumprimento do teto de gastos, e o contingenciamento para a meta fiscal não estourar.
Para Megale, a percepção, no início do ano, era que a execução orçamentária de 2025 seria muito mais tranquila do que apontam os problemas que estão aparecendo agora. O cenário ficou mais desafiador não só pelo lado das despesas como das receitas.
A arrecadação do governo até abril está R$ 18 bilhões inferior ao programado pelo próprio governo. Além disso, o governo terá que refazer, por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) a previsão de receitas a serem obtidas por meio de acordos com contribuintes julgados pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Mesmo quando os sinais de frustração já eram evidentes, o governo previu R$ 28,5 bilhões em receitas com esses acordos.
“Não está performando, e eles vão ter que fazer um ajuste. Não sei se vai para zero imediatamente, mas dada a performance dos últimos dois anos e a manifestação do TCU, terá que ser ajustada substancialmente para baixo”, ressalta Megale. O economista cita outro desafio: o impacto da queda do barril do petróleo na arrecadação de impostos e royalties e nos dividendos pagos pela Petrobras.
O analista sênior da XP, Thiago Sbardelotto, explica que há dois gastos crescendo fortemente, que precisarão ser recalculados para cima: os benefícios da Previdência Social e o BPC, benefício pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Ele estima a necessidade de um ajuste para cima de R$ 21 bilhões -R$ 12 bilhões na Previdência Social e R$ 9 bilhões no BPC. Por outro lado, ele considera que o governo tem gordura para diminuir as previsões com despesas de pessoal, que se mostram abaixo do previsto.
Para o chefe de Macroeconomia do Asa e ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, o governo precisaria congelar algo entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. Mas ele ressalta que as previsões estão mais difíceis de fazer porque desde dezembro o Ministério da Previdência não divulgou boletim com os dados detalhados.
“Não se sabe com que velocidade o governo vai fazer o reconhecimento das necessidades de ajuste”, diz. Bittencourt ressalta que, diferentemente do ano passado, o governo ganhou mais flexibilidade para fazer o reconhecimento das frustrações de receita com a medida adotada para execução orçamentária, que ficou conhecida como faseamento.
Esse instrumento permite uma execução baixa para proteger um volume de despesas que podem vir a ser contingenciadas ou bloqueadas mais à frente. O ex-secretário do Tesouro diz que o governo terá que apresentar uma fonte de receita adicional. A mais provável, segundo, é a venda das áreas não contratadas dos poços do pré-sal.
ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
**Como funciona o bloqueio**
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.
**Como funciona o contingenciamento**
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
**Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?**
Sim. É possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.