CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A 78ª edição do Festival de Cannes pode não estar tão politizada quando a do ano passado, recheada de filmes sobre guerras na Ucrânia e na Palestina, mas não fica para trás no tom de denúncia. Dessa vez, porém, os conflitos não são tão óbvios.

As narrativas estão menos voltadas para guerras e apontam para violências inseridas em engrenagens mais complexa. É o caso do inquietante “Dossier 137”, do alemão Domink Moll.

O filme acompanha Stéphanie, uma policial responsável por investigar a má conduta de seus colegas. O caso que dá nome à trama trata de um rapaz ferido gravemente durante os protestos dos coletes amarelos em Paris, após ser baleado na cabeça por um agente.

Stéphanie é policial há anos, assim como seu marido e todo seu ciclo social. Se ela começa a investigação segura do papel da polícia na sociedade, suas certezas vão caindo por terra conforme junta provas do caso em questão.

O filme acaba por denunciar o abuso de poder endêmico dentro da polícia francesa. Agentes protegem uns aos outros e escondem debaixo do tapete atos violentos contra pessoas inocentes, quase como uma máfia.

“Dossiêr 137” é mais um filme investigativo assinado por Moll, que já passou por Cannes com “A Noite do

Dia 12″. O antecessor, porém, tinha um caráter muito mais sombrio ao tratar do caso de uma garota assassinada brutalmente no interior da França -e talvez fosse um pouco mais profundo por contemplar debates perturbadores ligados ao feminicídio.

Já em “Sirât”, de Oliver Laxe, o conflito social parece estar mais nos bastidores -até certo ponto. O filme começa com 15 minutos de longos takes do deserto e pessoas dançando músicas eletrônicas.

No meio da muvuca, Luis procura sua filha ao lado do filho mais novo. A trama não deixa claro porque ela fugiu, se foi porque queria seguir uma vida sem amarras pelas estradas desérticas ou se estava deprimida.

Luis e o menino decidem seguir um grupo de ciganos composto por europeus rebeldes que está a caminho de outra rave, onde esperam encontrar a irmã perdida, e acabam fazendo amizade com o grupo. O deserto em questão, porém, é palco de disputas territoriais no norte da África.

Quando o grupo embarca para o deserto, os planos que antes estavam fechados nos rostos e corpos dançantes dos personagens se ampliam, capturando a imensidão à sua volta, que oferece tanto libertação, quanto hostilidade.

O deserto prega peças. Se num primeiro momento ele parece tornar o filme um “road movie” leve e aspiracional, pouco depois ele causa uma ruptura violentíssima, que leva a história para outro lugar.

Se o grupo até certo ponto podia ignorar o conflito social a sua volta, a alienação se torna uma maldição de uma hora para a outra. Esse antes e depois torna “Sïrat” uma trama de lenta e difícil digestão para o espectador.