SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Donald Trump voltou nesta quinta-feira (15) a expor seu desejo de assumir o controle da Faixa de Gaza. Em uma mesa-redonda com empresários no Qatar, afirmou que os Estados Unidos “transformariam aquilo em uma zona de liberdade” e afirmou que “não há mais nada a ser salvo” no território palestino.
Enquanto Trump chegava ao terceiro e último dia de sua viagem pelo Oriente Médio, ataques militares israelenses mataram ao menos 114 pessoas na Faixa de Gaza, segundo médicos palestinos. A maioria das vítimas, incluindo mulheres e crianças, foi morta em Khan Yunis. Israel afirma que sua Força Aérea atingiu 130 alvos usados por grupos combatentes nos últimos dois dias.
A maior parte dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza foi forçada a deixar suas casas, comumente mais de uma vez, enquanto Israel continua uma ofensiva militar que matou quase 53 mil pessoas e devastou grande parte do território. Tel Aviv iniciou seu ataque após os ataques terroristas do Hamas em outubro de 2023.
Falando a um grupo de autoridades e líderes empresariais no Qatar, que abriga o escritório político do Hamas em Doha há anos, Trump disse que tem conceitos para Gaza que considera “muito bons”. “Transformá-la em uma zona de liberdade, deixar os Estados Unidos se envolverem”.
O presidente também disse ter visto imagens do território onde “praticamente não há nenhum edifício de pé”. A argumentação de Trump parece indicar que, uma vez que a ofensiva militar israelense devastou o território, os palestinos não deveriam fazer questão de viver na terra onde nasceram ou para onde se deslocaram. “Não é como se você estivesse tentando salvar algo. Não há edifícios. As pessoas estão vivendo sob os escombros de prédios que desabaram, o que não é aceitável.”
“Quero ver [Gaza] se tornar uma zona de liberdade. E se for necessário, acho que teria orgulho de ter os Estados Unidos assumindo, tomando conta, transformando-a em uma zona de liberdade. Deixar que coisas boas aconteçam.”
O comentário se assemelha ao que o presidente americano já disse anteriormente sobre transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio”. Embora tenha sido acusado de tentar forçar uma limpeza étnica e tenha, inclusive, recuado da proposta, as afirmações desta quinta indicam que o plano atual de Trump não é assim tão diferente do inicial.
Parte do plano americano se traduz no trabalho da chamada Fundação Humanitária de Gaza. A organização pretende trabalhar com empresas privadas americanas de segurança e logística para transportar ajuda para o território palestino, de acordo com relatos de uma pessoa familiarizada com o plano à agência de notícias Reuters.
O chefe de ajuda humanitária da ONU, Tom Fletcher, descreveu o projeto americano como uma espécie de disfarce “para mais violência e deslocamento” de palestinos em Gaza. Israel se comprometeu a facilitar o esforço sem se envolver nas entregas de ajuda.
As Nações Unidas também disseram que não participarão de uma operação humanitária apoiada pelos EUA em Gaza porque isso não seria imparcial, neutro ou independente. “Este plano de distribuição específico não está de acordo com nossos princípios básicos, incluindo os de imparcialidade, neutralidade, independência, e não participaremos disso”, disse o porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq.
Os palestinos rejeitam veementemente qualquer plano que envolva sua saída de Gaza, comparando tais ideias à Nakba de 1948, quando centenas de milhares foram desapropriados de suas casas na guerra que levou à criação de Israel. “O que estamos vivenciando agora é ainda pior do que a Nakba de 1948”, disse Ahmed Hamad, um palestino da Cidade de Gaza que foi deslocado várias vezes, à Reuters. “A verdade é que vivemos em um estado constante de violência e deslocamento. Onde quer que vamos, enfrentamos ataques. A morte nos cerca por toda parte.”
Basem Naim, um dos líderes do Hamas baseado em Doha, reagiu à fala de Trump. “Gaza é parte integrante do território palestino; não é um imóvel à venda no mercado. Permanecemos firmemente comprometidos com nossa terra e nossa causa nacional, e estamos dispostos a fazer todos os sacrifícios possíveis para preservar nossa terra natal e garantir o futuro de nosso povo.”
O envolvimento direto dos EUA em Gaza marcaria sua maior intervenção no Oriente Médio desde a invasão do Iraque em 2003. Muitos americanos veem esse tipo de engajamento com ceticismo.
Israel invadiu Gaza em retaliação ao ataque liderado pelo Hamas em comunidades do sul de Israel em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 foram levadas como reféns para Gaza, segundo contagens israelenses.
No início deste mês, Tel Aviv aprovou planos para ampliar a guerra contra o Hamas que podem incluir a tomada da faixa e o controle da ajuda humanitária -Israel não permite a entrada de mantimentos desde o início de março, e várias organizações, inclusive funcionários israelenses em privado, têm alertado para o risco de fome generalizada iminente.
Alegando não haver crise humanitária em Gaza, Israel sustenta que o bloqueio tem como objetivo pressionar o Hamas a libertar os reféns.
A ONG Human Rights Watch chama isso de uma “ferramenta de extermínio” dos palestinos. “O plano do governo israelense de demolir o que resta da infraestrutura civil de Gaza e concentrar a população palestina em uma área reduzida constituiria uma escalada abominável de seus atuais crimes contra a humanidade, limpeza étnica e atos de genocídio”, destacou a entidade em relatório nesta quinta.