BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O governo federal, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), contratou uma empresa por R$ 44,6 milhões para a retirada do navio que naufragou na região de Barcarena (PA), a 40 km de Belém, carregado com mais de 4.900 bois vivos.

O governo chegou a pagar R$ 18,1 milhões à empresa, em 2020 e em 2021, como mostram dados públicos do Portal da Transparência. Mesmo assim, quase dez anos depois do naufrágio, a embarcação segue afundada no rio Pará.

O contrato com a Superpesa Companhia de Transportes Especiais, sediada no Rio, foi assinado em maio de 2019 pelo então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), hoje governador de São Paulo. Em junho do mesmo ano, o então ministro delegou a execução do contrato ao DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).

A Superpesa passava por um processo de recuperação judicial. Conforme o extrato do contrato publicado no Diário Oficial da União, a empresa tinha como atribuição executar “serviços de reflutuação e remoção do navio Haidar”, para instalação de uma acostagem a ser indicada pela CDP (Companhia Docas do Pará).

A CDP é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos, responsável pela administração dos portos no Pará.

O navio naufragou no rio que margeia o Porto de Vila do Conde, em Barcarena, em 6 de outubro de 2015. Nunca foi retirado da área do porto, e permanece submerso -embora seja possível ver uma parte do casco na superfície.

Em 2022, o DNIT multou a Superpesa em mais de R$ 1 milhão, além de suspendê-la de novos contratos e licitações por dois meses, em razão da falta de garantia no contrato relacionado ao navio Haidar e do “risco que impôs à administração pública”.

O aviso da penalidade foi publicado no Diário Oficial da União em 29 de dezembro de 2022, dois dias antes do término do governo Bolsonaro.

A metodologia que a Superpesa usou para tentar remover o navio foi “inadequada para a verticalização da embarcação”, disse o DNIT, em nota. Verticalizar o navio é essencial para que ele seja deslocado até uma área de arraste, segundo o órgão.

Houve descumprimento de obrigações contratuais, e por isso foi aberto o processo de apuração de responsabilidade, que resultou na aplicação da multa, afirmou o DNIT. Uma nova licitação, a cargo do Ministério de Portos e Aeroportos, está sendo feita para a continuidade das tentativas de retirada do navio.

A Superpesa não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A assessoria do governador de São Paulo disse que ele não vai se posicionar a respeito do contrato assinado quando ele era ministro do governo Bolsonaro.

Reportagem publicada pela Folha nesta terça-feira (13) mostrou que o navio, que carregava uma carga de bois vivos da Minerva Foods em direção à Venezuela, permanece no rio.

Milhares de ribeirinhos dessa parte da costa amazônica, na baía do Marajó, foram impactados com o vazamento de óleo diesel e com a flutuação de carcaças de boi -a grande maioria dos animais morreu afogada.

Um relatório elaborado por empresa contratada pela Minerva apontou presença de óleo diesel ou de carcaças de bois em trechos de cinco rios, seis praias, duas ilhas e na vegetação de diferentes pontos da baía.

Em 2018, um acordo intermediado por MPF (Ministério Público Federal), MP (Ministério Público) do Pará e Defensoria Pública do estado, no âmbito da Justiça Federal, resultou no pagamento de uma indenização total de R$ 10,65 milhões, a cargo da Minerva, de operadores do navio e da CDP.

Agora, uma nova ação, dessa vez na Justiça inglesa, pede indenização para 10 mil pescadores artesanais, 6.000 pescadores comerciais, 1.000 pessoas sem relação com a pesca e 1.000 crianças -num total de 18 mil indivíduos apontados na ação como impactados pelas consequências do naufrágio.

A ação foi movida em dezembro de 2020 e voltou a tramitar em abril deste ano, após o fim do período de suspensão em que se buscou um acordo entre as partes.

Os danos materiais e morais foram calculados na ação em £ 108 milhões (cerca de R$ 810 milhões). Os ribeirinhos são representados no processo pelo escritório internacional de advocacia Pogust Goodhead.

O valor já pago até agora, a título de indenização aos ribeirinhos impactados e no âmbito de um acordo na Justiça brasileira, é inferior ao que foi efetivamente gasto com a empresa que deveria retirar a embarcação naufragada.

A operação para a remoção do navio tinha licença da Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade), do governo do Pará.

“A licença ambiental foi concedida para a operação, mas a execução não foi concluída pela empresa”, disse a Semas, em nota.

A CDP afirmou que não tinha “gerência ou responsabilidade” em relação ao contrato assinado pelo ministério comandado por Tarcísio e que o contrato foi finalizado em 2022.

“Estão na programação de 2025 ações voltadas para a elaboração de estudos e análises técnicas da melhor modelagem para a resolução definitiva do caso”, afirmou a companhia, em nota.

Segundo a CDP, uma ação de indenização foi movida contra a Minerva na Justiça, em 2023, e o processo segue em tramitação judicial.

Em nota, a Minerva afirmou que a responsabilidade pela carga, após o embarque do gado, é da empresa de transporte marítimo contratada, escolhida pela administradora do porto. Segundo a empresa, a retirada do navio é uma obrigação da CDP.

“Ainda assim, colaboramos com as autoridades para apoio a todos que foram afetados direta ou indiretamente pelo incidente”, disse a Minerva Foods. A empresa afirmou já ter feito o pagamento dos R$ 5 milhões devidos no acordo das indenizações, e disse que “não é parte em nenhuma ação em trâmite no exterior”.

A Minerva faz o monitoramento da água, para “minorar os danos ocasionados”, e deixou de fazer exportação de gado vivo, cita a nota.

Em 2017, o governo federal chegou a publicar um edital para contratação de empresa especializada na remoção de embarcação, mas a concorrência acabou sendo cancelada. A concorrência pública que resultou na contratação da Superpesa foi feita em 2018, segundo informações do contrato.

Vários aditivos contratuais prorrogaram o prazo para a execução do serviço, que deveria ser concluído inicialmente em 2020. Um dos aditivos consolidou uma alteração da composição societária da Superpesa.