SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores da University College London (UCL) e do Francis Crick Institute conseguiram identificar a origem das células cardíacas usando imagens em 3D da formação do coração em tempo real dentro de um embrião vivo de camundongo.

Esta é a primeira vez que a ciência consegue filmar a formação de um coração. O estudo da UCL foi publicado na segunda-feira (13) no EMBO Journal. A pesquisa utilizou uma técnica chamada microscopia de folha de luz em um modelo de camundongo geneticamente modificado.

Esse método usa uma lâmina fina de luz para iluminar e registrar imagens detalhadas de amostras minúsculas, gerando imagens tridimensionais nítidas sem causar danos ao tecido vivo. Com isso, os cientistas puderam acompanhar células individuais enquanto se moviam e se dividiram ao longo de dois dias, ou seja, no início da gastrulação.

A etapa é crucial para o desenvolvimento embrionário, até o momento em que o coração primitivo começa a se formar. A gastrulação é o processo em que as células passam a se especializar e a formar estruturas primárias do corpo, o que inclui o coração. Em humanos, geralmente isso ocorre por volta da segunda semana de gestação.

Segundo os autores, o resultado do rastreio da origem das células cardíacas podem transformar a forma como cientistas compreendem e tratam defeitos congênitos do órgão. “É a primeira vez que conseguimos observar as células do coração tão de perto e por tanto tempo durante o desenvolvimento de um mamífero”, afirmou o pesquisador Kenzo Ivanovitch, do Instituto de Saúde Infantil Great Ormond Street da UCL e bolsista da Fundação Britânica do Coração.

Ele explica que primeiro os cientistas precisaram desenvolver um método para cultivar os embriões por longos períodos, de algumas horas a alguns dias. “O que vimos foi totalmente inesperado”, diz Ivanovitch.

Usando marcadores fluorescentes, a equipe identificou células musculares cardíacas, os cardiomiócitos, que passaram a brilhar em cores distintas. Combinada à microscopia de folha de luz, a técnica permitiu a produção de vídeos em lapso de tempo com alta resolução espacial.

As imagens foram registradas a cada dois minutos, durante 40 horas. O resultado foi uma sequência inédita que mostra como as células se movem, se dividem e formam as primeiras estruturas do embrião, como o coração. Foi possível rastrear cada cardiomiócito até sua célula ancestral, criando uma espécie de árvore genealógica celular.

No início do processo, as células embrionárias eram multipotentes, ou seja, podiam dar origem a vários tipos celulares, como as endoteliais do endotélio cardíaco. Mas os cientistas observaram que, ainda nas primeiras horas da gastrulação (entre quatro e cinco horas após a primeira divisão celular), surgem células destinadas exclusivamente ao coração, com comportamento altamente organizado.

Em vez de se movimentarem aleatoriamente, essas células seguem caminhos definidos. É como se já soubessem a que parte do coração vão contribuir, seja nos ventrículos (câmaras de bombeamento) ou nos átrios (que recebem o sangue vindo do corpo e dos pulmões).

Para Shayma Abukar, doutoranda e autora principal do estudo que contou com o apoio da Fundação Britânica do Coração, o próximo passo é compreender os sinais que coordenam o que chama de coreografia complexa do desenvolvimento cardíaco. “O coração não se forma a partir de um único grupo de células, mas de uma coalizão de grupos distintos que aparecem em momentos e locais diferentes da gastrulação”, diz.

As descobertas podem acelerar o desenvolvimento de terapias regenerativas e a criação de tecidos cardíacos em laboratório. Os pesquisadores esperam que, no futuro, o trabalho ajude a desvendar novos mecanismos de formação de órgãos e a desenvolver princípios para engenharia de tecidos com precisão.