FOLHAPRESS – Jorge Furtado não para. Desde a década de 1980, quando chamou a atenção com curtas como “Ilha das Flores”, esse gaúcho de 65 anos tem se dedicado continuamente ao cinema, dirigindo longas e escrevendo roteiros, e à televisão, principalmente com roteiros para séries da Globo. Já lançou romance, volume de contos e livro para o público infantil.
Como cineasta, Furtado se sai bem guiando tramas inventivas e conduzindo os seus atores com segurança, como se viu em “Meu Tio Matou um Cara”, de 2004, e “Saneamento Básico”, de 2007.
Tem sido há quase quatro décadas um diretor mais ligado à concepção de motes e diálogos engenhosos, com certa leveza cômica, do que à construção de imagens exuberantes ou originais, embora existam no seu trabalho alguns achados visuais, como em passagens de “O Homem que Copiava”, de 2003.
Neste novo filme, “Virgínia e Adelaide”, a aposta em um cinema baseado nos diálogos é ainda mais assertiva. Vale ressaltar, porém, que a assinatura de Furtado na direção não aparece sozinha. Ao lado dele, está Yasmin Thayná, jovem cineasta, com premiada carreira nos curtas-metragens.
São apenas duas personagens no filme, ambas relevantes na história da psicanálise no Brasil, embora menos reconhecidas do que deveriam.
Adelaide Koch, médica e psicanalista judia que deixou a Alemanha sob o regime nazista para viver em São Paulo, é interpretada por Sophie Charlotte. Gabriela Correa dá vida a Virgínia Bicudo, socióloga negra e a primeira pessoa sem formação em medicina a ser reconhecida como psicanalista no país.
Logo no início, surge o aviso: “Todos os fatos, nomes, datas e lugares são reais. O resto é ficção”. As regras do jogo estão à mesa, portanto. A partir daí, acompanhamos como Virgínia se tornou paciente de Adelaide em 1937 e, alguns anos depois, uma grande amiga.
O filme retrata um tema que as une, as dificuldades do início da psicanálise no Brasil, e ainda as tragédias que acompanham cada uma das personagens. No caso de Virgínia, o racismo, tema no qual ela se especializou como intelectual. Em se tratando de Adelaide, o antissemitismo.
A proeza de Thayná e Furtado é conseguir abarcar três assuntos tão complexos evitando sobressaltos de roteiro e escapando de abordagens levianas. Além disso, acompanhamos com curiosidade o desenvolvimento da relação das personagens, mulheres que se aproximam na notável capacidade profissional, mas que se distanciam em diversos outros aspectos.
“Virgínia e Adelaide” é, sobretudo, um drama, um terreno pouco explorado por Furtado como diretor de cinema. Nesse sentido, podemos supor que a parceria com Thayná tenha contribuído para as particularidades exigidas pelo gênero.
É ainda um filme de câmara, quase todo passado na casa paulistana de Adelaide, onde está seu consultório. Essa estrutura diminuta, tanto no elenco quanto na direção de arte, revela-se suficiente para nos conduzir para as realidades sensíveis dessas duas mulheres extraordinárias.
Não seria assim sem as atuações precisas de Sophie e Gabriela atrizes menos talentosas dariam às suas personagens um verniz caricatural, o que seria um desastre para o filme.
Como a psicanálise, “Virgínia e Adelaide” não nos entrega respostas prontas. O filme de Thayná e Furtado sabe, sim, lançar as perguntas necessárias, como o bom cinema costuma fazer.
VIRGÍNIA E ADELAIDE
– Avaliação Bom
– Onde nos cinemas
– Classificação 12 anos
– Elenco Gabriela Correa e Sophie Charlotte
– Produção Brasil, 2024, 96 min.
– Direção Yasmin Thayná e Jorge Furtado