SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – A defesa da família de Victor Cerqueira Santos Santana, morto na noite de sábado (10) em uma operação policial em Caraíva, distrito de Porto Seguro (710 km de Salvador), aponta que o corpo da vítima tinha sinais de tortura.
A declaração de óbito documento médico que atesta a morte de uma pessoa indica que Victor morreu por choque hemorrágico, politraumatismo no tórax, meio perfuro-contundente (trauma causado por instrumento que perfura e exerce uma força de esmagamento) e projétil de arma de fogo.
“As lesões corroboram a ideia de que ele foi torturado antes de ser morto”, afirma o advogado Rafael Rosa, que representa a família de Victor. Ele afirma que o corpo do jovem tinha lesões no peito, machucados nos braços e um ferimento causado por arma de fogo no pescoço.
O laudo do IML (Instituto Médico legal) ainda não foi divulgado. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública reforçou que a ocorrência está sob investigação.
Conhecido como Vitinho, Victor Cerqueira era um homem negro e tinha 28 anos. Natural de Itabela, também no sul da Bahia, ele era guia de turismo e prestava serviços para pousadas e estabelecimentos comerciais de Caraíva.
Ele foi morto em uma operação conjunta da Polícia Militar da Bahia e da Polícia Federal para desarticular um grupo envolvido com tráfico de drogas e armas, homicídios, roubos, lavagem de dinheiro e corrupção de menores.
A ação resultou na morte de duas pessoas. Além de Victor, também foi morto na operação Davisson Sampaio dos Santos, 23, conhecido como Alongado. Ele era apontado como líder de uma facção criminosa que dominava o tráfico de drogas na região. Um terceiro homem foi preso.
Em nota divulgada no domingo (11), a Secretaria de Segurança Pública da Bahia do governo Jerônimo Rodrigues (PT) informou que as duas vítimas foram mortas após confronto, segundo relatado pelos policiais da operação. Eles chegaram a ser socorridos, mas não resistiram aos ferimentos, informou a polícia.
A versão é contestada pela defesa e por moradores de Caraíva. Testemunhas relataram que Victor teria sido detido pela polícia ainda vivo, próximo a um mercadinho na beira do rio, onde aguardava turistas que levaria até uma pousada.
O advogado Rafael Rosa afirma que Victor teria sido levado por volta das 18h30 de sábado, mas o seu corpo chegou ao IML por volta das 3h de domingo (11). Câmeras de segurança próximas ao local da abordagem foram desativadas, afirmou.
Ainda segundo o advogado, o guia turístico não tinha mandado de prisão, nem antecedentes criminais.
“Ele não era um criminoso, era uma pessoa que tinha o respeito e o carinho de toda a comunidade. A mobilização dos moradores de Caraíva já denota que não se trata de um bandido” afirma.
O caso é investigado pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar. O Ministério Público do Estado da Bahia instaurou procedimento para acompanhar as investigações.
Nesta terça-feira (13), um grupo de 24 advogados protocolou junto ao Ministério Público Federal uma representação por violação de direitos humanos e abuso de autoridade na operação policial. Entre os signatários da peça está o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
A representação cobra apuração rigorosa do caso e aponta depoimentos de testemunhas que dizem que Victor foi detido, levado para o mangue, torturado e executado ainda no local.
“Sua morte chocou a população local e evidencia a gravidade da atuação policial baseada em racismo estrutural, uso excessivo da força e desprezo pela vida de jovens negros das periferias”, aponta o documento.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou nesta terça que o fundador da facção que atuava em Caraíva e na venda drogas no extremo-sul da Bahia foi preso Belo Horizonte. Ele fugiu em dezembro de 2023 do presídio de Eunápolis, na Bahia, e tinha três mandados de prisão.
Ainda segundo a Secretaria de Segurança Pública, ações de inteligência continuam em curso para localizar outros integrantes da organização criminosa.