MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Uma das expectativas sobre o novo papado é como Leão 14 irá enfrentar a questão da China. A Santa Sé não mantém relações diplomáticas com o país asiático e, desde 2018, está em vigor um acordo entre as duas partes sobre a nomeação de bispos. O combinado, cujo teor não é totalmente conhecido, conta com resistência de alas conservadores da Igreja, especialmente nos Estados Unidos. O fato de o papa ser norte-americano atrai mais atenção ao caso.

Arquitetado pelo cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé, o acordo prevê que bispos católicos sejam definidos em comum acordo entre o Vaticano e o governo chinês, após décadas de nomeações sem aprovação do papa. Não se sabe exatamente como é a dinâmica, porque os termos nunca foram divulgados. Se trata de um arranjo provisório, que vem sendo renovado de tempos em tempos, a última vez em outubro, por quatro anos, até 2028, em vez que dois.

“O acordo tem finalidade religiosa e pastoral. É um instrumento, do ponto de vista da Santa Sé, para ajudar a Igreja Católica na China a resolver o grave problema dos bispos ilegítimos e ter condições de desenvolver sua ação de evangelização”, diz à reportagem Agostino Giovagnoli, professor emérito de história contemporânea na Universidade Católica do Sacro Cuore, em Milão. Ele é coorganizador do livro “O Acordo entre Santa Sé e China”, publicado em italiano em 2019.

O tema é alvo de críticas do clero mais tradicionalista da Igreja, como o grupo em volta do cardeal norte-americano Raymond Burke, um dos mais estridentes opositores de Francisco e alinhado ao presidente Donald Trump. Teria sido um dos motivos, inclusive, da rejeição de parte dos cardeais ao nome de Parolin, que era um dos favoritos no conclave.

“Alguns levantam a questão de que com o acordo se dá poder ao governo chinês na nomeação de bispos. Mas o acordo melhora essa situação, porque esse poder o governo já tinha, tanto é que nomeou muitos bispos sem nem ouvir Roma”, explica o professor. “As objeções não são religiosas, mas sim políticas. Um acordo entre Vaticano e China implica um reconhecimento indireto da legitimidade do governo chinês, o que irrita aqueles que querem um confronto entre Ocidente e China.”

Outro contrário é o cardeal Joseph Zen Ze-kiun, de Hong Kong. “Mas ele pode vir ao funeral [do papa Francisco] justamente porque existe esse acordo e porque as relações entre Santa Sé e o governo chinês são boas atualmente”, diz Giovagnoli.

Não é claro o entendimento que o papa Robert Prevost tem do caso. Apesar de ter sido prefeito do Dicastério para os Bispos a partir de 2023, a questão chinesa estava sob o guarda-chuva do Dicastério para a Evangelização e o acordo era centralizado em Parolin, que falava diretamente com o papa.

“É um tema que [Leão 14] deverá tratar, sob pressão, sem dúvida. O fato de ser americano é um problema dentro do problema, porque da parte dos EUA o interesse é que a Santa Sé rompa com a China”, afirma o professor.

A origem norte-americana de Leão 14 pode levar a dois desdobramentos. De um lado, isso favorece a sua movimentação, já que, nesse primeiro momento, o governo americano deverá ter dificuldades em atacá-lo publicamente. “O outro lado da medalha é que, sendo americano, ele pode ser mais sensível a algumas motivações que vêm dos EUA.”

Um passo aguardado é a confirmação ou não de Parolin como secretário de Estado, o que seria um sinal de continuidade. Parolin acompanha a questão chinesa há mais de 20 anos. “Ele não é ingênuo, não é que não vê os problemas do acordo. Mas as críticas contra ele eram instrumentais, para evitar que se tornasse papa. Ele é um grande diplomata, mas foi sempre um executor da linha do papa.”

Restrito à nomeação de bispos, o acordo já permitiu também a resolução de outros problemas dos católicos no país asiático, como a transferência com mais facilidade de bispos entre dioceses chinesas. Outro sinal de distensão foi a participação, desde 2018, de bispos chineses em três sessões de sínodos.

Um passo em frente, para os próximos anos, seria tornar o acordo permanente e passar a tratar de aspectos mais delicados entre Vaticano e China, como a questão da paz e do meio ambiente. Restam no horizonte, a longo prazo, dois grandes pontos de desencontro. Um deles é Taiwan, com quem a Santa Sé mantém relações diplomáticas, e a liberdade religiosa na China. “Mas aí é uma questão que não se limita às relações com o Vaticano. Implica uma transformação do atual regime político chinês.”