BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Quase dez anos depois de naufragar, carregado com uma carga de 4,9 mil bois vivos da empresa Minerva Foods, o navio Haidar permanece afundado –ainda que uma parte do casco seja vista na superfície– no rio Pará, em um dos pontos de atracação no Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA).

O naufrágio aconteceu em 6 de outubro de 2015, e a maioria dos animais se afogou e morreu no acidente.

O afundamento da embarcação teve consequências diretas na vida de milhares de pessoas que vivem em comunidades dessa região –um lugar da costa amazônica, na baía do Marajó, onde a pesca comercial e de subsistência é fonte de renda para cerca de 5 mil pescadores associados, em nove ilhas, conforme estimativa de associações de ribeirinhos.

Barcarena está a 40 km de Belém, cidade que sediará em novembro a COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas). A COP30 promete incluir comunidades tradicionais –como os pescadores da região de Belém e de cidades vizinhas– nas discussões sobre mudanças climáticas e sobre a importância da amazônia para a regulação do clima.

Depois do naufrágio do navio Haidar, um relatório elaborado por empresa contratada pela Minerva apontou presença de óleo diesel ou de carcaças de bois em trechos de cinco rios, seis praias, duas ilhas e na vegetação de diferentes pontos da baía. Houve vazamento de óleo com o naufrágio.

Em 2018, um acordo intermediado por MPF (Ministério Público Federal), MP (Ministério Público) do Pará e Defensoria Pública do estado, no âmbito da Justiça Federal, resultou no pagamento de uma indenização total de R$ 10,65 milhões, a cargo da Minerva, de operadores do navio e da CDP (Companhia Docas do Pará), empresa pública vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos.

Agora, uma nova ação, dessa vez na Justiça inglesa, pede indenização para 10 mil pescadores artesanais, 6 mil pescadores comerciais, mil pessoas sem relação com a pesca e mil crianças –num total de 18 mil indivíduos apontados na ação como impactados pelas consequências do naufrágio.

A ação foi movida em dezembro de 2020 e voltou a tramitar em abril deste ano, após o fim do período de suspensão em que se buscou um acordo entre as partes.

Os danos materiais e morais foram calculados na ação em £ 108 milhões (cerca de R$ 810 milhões).

“Englobam prejuízos a ribeirinhos e quilombolas que dependiam da pesca não só financeiramente, mas também para o consumo próprio”, afirma o escritório internacional de advocacia Pogust Goodhead, responsável pela ação. “Os atingidos estão profundamente frustrados pelas tratativas não terem levado a um desfecho, apesar da clara evidência da responsabilidade da Salic”, diz.

Salic é uma empresa da Arábia Saudita com participação de 30,55% na Minerva Foods, estabelecida em Londres, o que justifica a ação na Justiça da Inglaterra, segundo o escritório de advocacia.

Em nota, a Minerva afirmou que a responsabilidade pela carga, após o embarque do gado, é da empresa de transporte marítimo contratada, escolhida pela administradora do porto. Segundo a empresa, a retirada do navio é uma obrigação da CDP, que administra o Porto de Vila do Conde.

“Ainda assim, colaboramos com as autoridades para apoio a todos que foram afetados direta ou indiretamente pelo incidente”, disse a Minerva Foods. A empresa afirmou já ter pago os R$ 5 milhões devidos no acordo das indenizações, e disse que “não é parte em nenhuma ação em trâmite no exterior”.

A Minerva faz o monitoramento da água, para “minorar os danos ocasionados”, e deixou de fazer exportação de gado vivo, cita a nota. O gado que morreu no naufrágio do navio tinha como destino a Venezuela.

Já houve tentativas de retirada da embarcação do local onde está afundada, com autorização do governo do Pará. Até hoje isso não ocorreu.

A CDP afirmou, em nota, que propôs uma ação de indenização contra a Minerva em 2023. “A atual gestão tem total interesse em trabalhar intensamente na busca de soluções para a retirada do navio Haidar”, disse.

Uma empresa chegou a ser contratada em 2019 pelo Ministério da Infraestrutura para “reflutuação do navio”, sem atuação por parte da CDP, cita a nota. O contrato foi encerrado em 2022.

“A CDP foi absolvida de qualquer culpa em relação ao acidente pelo Tribunal Marítimo”, afirmou. “A embarcação ocupa um berço do principal porto da companhia. Estão na programação de 2025 ações voltadas para a elaboração de estudos e análises técnicas da melhor modelagem para a resolução definitiva do caso.”

O governo do Pará disse que a responsabilidade pela retirada do navio é da autoridade portuária e que uma licença foi concedida para essa operação, mas a retirada não ocorreu.

A empresa responsável pelo Haidar foi autuada pela Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade), por descumprimento de normas ambientais, cita nota do governo paraense. “Entre as infrações constatadas está a ausência de barreira de contenção de óleo durante a tentativa de remoção da embarcação.”

A região do Porto de Vila do Conde tem uma alta concentração de indústrias, especialmente de produção de alumínio, e passará a contar com duas termelétricas com capacidade de fornecer energia elétrica a cerca de 9 milhões de casas.

O escritório Pogust Goodhead é parceiro numa ação movida na Justiça da Holanda, que busca reparação a vítimas do lançamento de rejeitos tóxicos em rio da região do porto, em 2018.

A contaminação atingiu milhares de famílias, segundo associações, e a norueguesa Hydro —dona dos empreendimentos Albras e Alunorte, em Barcarena— foi processada na Corte de Roterdã. A Hydro nega as alegações de contaminação na região do Porto de Vila do Conde.

Sobre as novas termelétricas, reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 29 de março mostrou que as usinas, financiadas com R$ 5,6 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), vão gerar emissão de gases de efeito estufa –a partir da queima do gás natural– e dispersão de poluentes por uma vila amazônica que é uma das mais antigas do Pará.

Os lugares que serão mais impactados, conforme os documentos da licença, são a Vila do Conde (ou Vila Murucupi, uma das mais antigas do estado), ao sul do porto, e a Vila de Itupanema, ao norte.

A Defesa Civil considerou que essas duas comunidades já foram afetadas por contaminação a partir do naufrágio do navio Haidar.

Barreiras de contenção foram lançadas ao redor do ponto do naufrágio, para tentativa de recolhimento do óleo. “A pressão exercida pelas carcaças dos bois em flutuação fez com que as barreiras se rompessem, permitindo a deriva do óleo vazado e das próprias carcaças, com impacto sobre áreas adjacentes à região do porto”, cita um relatório de 2016 elaborado para a Minerva.

O naufrágio impactou o turismo, numa região onde as praias de água doce costumavam ser bastante frequentadas, até pela proximidade a Belém. A atividade intensa do porto também teve um impacto negativo no turismo na região.