SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai que virou símbolo da esquerda latino-americana pelos ideais progressistas, esforço pela integração regional e pelo estilo de vida simples.
Ele foi um dos vanguardistas da “onda rosa”, movimento de esquerda na América Latina, e pôs em pauta temas sociais polêmicos e geralmente ligados ao conservadorismo. Criticava amplamente o estímulo ao consumo desenfreado, preocupado com a pauta verde, que o impulsionou a ser uma figura global.
Veja os principais momentos da vida e da trajetória política de Pepe Mujica:
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NASCIMENTO
José Alberto “Pepe” Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, filho de família de pequenos proprietários agrícolas. O pai morreu quando ele tinha 8 anos, tendo sido criado a maior parte do tempo apenas pela mãe. Declarava-se ateu e tinha uma irmã mais nova, Maria Eudosia.
Cursou direito, mas não concluiu o curso. Seguiu a profissão de floricultor, fornecendo flores para feiras e floriculturas quando estava fora de cargos políticos ou da guerrilha.
MILITÂNCIA POLÍTICA E GUERRILHA
Mujica foi influenciado na formação do pensamento político dentro da própria família. O tio materno, Ángel Cordano, era nacionalista e peronista. Por meio da mãe, Mujica conheceu Enrique Erro, deputado federal nacionalista, em 1956. Conciliando a vida de estudante com a política, passou a integrar a juventude do Partido Nacional (Blanco), que defendia os direitos do campo.
Deixou de se identificar com a bandeira da legenda. Em guinada à esquerda, uniu-se ao Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros (MLN-T), guerrilha que reunia várias alas da esquerda criada no contexto da Revolução Cubana de 1959. Conheceu a esposa, Lucía Topolansky, no período de clandestinidade.
PRISÃO E TORTURA NA DITADURA
Diante da atuação na guerrilha, foi preso quatro vezes, com o cárcere mais longo a partir de 1972, sob Juan María Bordaberry, que implementaria uma ditadura militar. Foi usado como refém pelo governo se a guerrilha voltasse às atividades armadas, seria executado, junto de outros tupamanos.
Passou por tortura, isolamento e maus-tratos até 1985, com o fim do regime autoritário e a concessão de anistia a crimes políticos. Tanto Mujica quanto Topolansky foram presos e ficaram separados por todo o período de detenção.
SOLTURA, ANISTIA E VOLTA À POLÍTICA
Fora da prisão, abandonou a luta armada e passou a buscar o voto. Os tupamaros se aliaram à coalizão Frente Ampla, de partidos de esquerda, e Mujica mudou-se para Rincón del Cerro, onde passou o resto da vida com Topolansky, em um casamento oficializado apenas em 2005 e sem filhos.
Ajudou a criar o MPP (Movimento de Participação Popular) força progressista com mais deputados atualmente no Uruguai, ainda dentro do guarda-chuva da Frente Ampla.
DEPUTADO
Com a visibilidade ao criar o MPP, Mujica conseguiu um mandato de deputado federal por Montevidéu em 1994. Foi ali que ganhou espaço seu estilo político, de sinceridade total e expressão livre de suas opiniões, algo que levou para toda a vida.
SENADOR
Diante da atenção que Mujica ganhou entre a população, foi eleito senador em 1999, mesmo ano que sua esposa foi alçada à Câmara. Foi reeleito em 2004, ano em que o MPP obteve mais de 300 mil votos, um sucesso eleitoral à época, que rompeu com a hegemonia dos partidos Colorado e Nacional.
MINISTRO DA AGRICULTURA
Em 2005, foi convidado por Tabaré Vázquez, o primeiro presidente vindo da Frente Ampla, para ser ministro da Agricultura. No cargo, tentou atuar como um operador político, que negociava com os diversos setores agropecuários do país e com a sociedade, sem perder a franqueza. Deixou o cargo em 2008, voltando ao Senado e se preparando para a candidatura à Presidência, no ano seguinte.
ELEIÇÃO EM 2009
Mujica foi escolhido o candidato da Frente Ampla em 2009, apesar da disputa com Danilo Astori, ministro da Economia de Vázquez e bem avaliado pelo mercado. Mujica convidou Astori para a chapa como vice, que aceitou como uma forma de sinalizar continuidade da política econômica.
Foi eleito em 29 de novembro de 2009, quando venceu as eleições para o período de 2010 a 2015 contra Luis Alberto Lacalle, do Partido Nacional, presidente de 1990 a 1995.
MANDATO COMO PRESIDENTE
Os cinco anos de mandato de Mujica foram caracterizados pela queda nos índices de pobreza, iniciada já na gestão de Tabaré Vázquez. Houve ampliação dos programas sociais e políticas públicas de aumento nos salários.
O então presidente manteve seu estilo despojado e continuou a morar na chácara de Rincón del Cerro. Dirigia seu fusca azul para ir até a capital e frequentemente ignorava os protocolos de segurança para um chefe de Estado. Também doava dois terços de seu salário a um projeto de moradias populares.
PROGRESSISMO
Na Presidência, Mujica deu importância a pautas consideradas sensíveis, buscando debatê-las. Seu governo aprovou a legalização do aborto com atendimento gratuito no sistema de saúde público, o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização da maconha, com regulamentação do comércio e do cultivo da planta.
Também era um entusiasta da integração regional como forma de aproximar os países latino-americanos, trabalhando em prol do Mercosul. O tema trouxe boa relação com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Dilma Rousseff (PT).
VOLTA AO SENADO, RENÚNCIA E APOSENTADORIA POLÍTICA
Depois de ocupar a chefia do Executivo, Mujica foi novamente eleito e reeleito senador, deixando o cargo em 2020 diante da pandemia de Covid-19. Afirmou, no momento da renúncia, que também deixaria a política, argumentando dar espaço a novas gerações nos espaços de poder.
SAÚDE E CÂNCER NO ESÔFAGO
Antes do câncer no esôfago, Mujica foi diagnosticado com Síndrome de Churg-Strauss, doença rara que inflama os vasos sanguíneos, afetando tecidos e órgãos por todo o corpo. Esta condição, então, impediria a realização de sessões de quimioterapia.
Em abril de 2024, o ex-presidente começou a fazer tratamento contra o tumor no esôfago, e em agosto, a equipe médica que cuidou do político chegou a afirmar que a doença teria sido curada. Em dezembro, passou por cirurgia relacionada ao câncer, recuperando-se do procedimento.
Em janeiro, porém, Mujica afirmou ao jornal local Búsqueda que o câncer de esôfago de que tratava se espalhou para o fígado e que não havia mais expectativa de contê-lo. “O que peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”, disse.
MORTE
Mujica morreu em decorrência do câncer de esôfago aos 89 anos.
À Folha de S.Paulo o ex-presidente afirmou ver a morte como peça importante para a vida. “A vida pode sentir dor, alegria, tristeza, desejo. Parece que temos a função de emprestar uma inteligência ao mundo da vida. Às vezes acreditamos ser donos. Não, somos parte. Mas queremos continuar vivendo. Nossa maneira de lutar contra a morte é uma luta impossível que sempre perderemos, mas lutamos com amor.”