SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, antes de ascender à vida política, fez parte por uma década do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T), uma guerrilha urbana responsável por roubos, sequestros e assassinatos, e que lutava contra a ditadura militar.
Por volta dos 30 anos, Mujica decidiu se radicalizar e aderir ao Tupamaros. Nascido em uma família de pequenos agricultores em Montevidéu, ele trabalhou no campo e, desde cedo, atraiu-se pelas lutas sociais, iniciando a militância no movimento estudantil.
Mujica liderou roubos a bancos e a empresas, distribuindo o saque entre os mais pobres. Um dos episódios mais conhecidos foi em 8 de outubro de 1969, quando cerca de 50 guerrilheiros invadiram a delegacia de polícia, o corpo de bombeiros, a central telefônica e bancos da cidade de Pando. O grupo costumava realizar ainda sequestro de políticos.
Ainda hoje, o político diz não se arrepender de nenhuma de suas ações como guerrilheiro. A declaração foi dada em seu livro biográfico, intitulado ”Mujica” e publicado pelo romancista e ensaísta Miguel Ángel Campodónico em 1999.
O uruguaio foi preso três vezes ao longo da vida. Nas duas primeiras, ele conseguiu escapar da prisão de Carretas em uma fuga em massa ao lado de outros companheiros guerrilheiros. A terceira prisão, durante a ditadura militar uruguaia, custou 13 anos de sua vida.
Na noite de sua detenção em 1972, o ex-presidente estava em uma pizzaria. As autoridades pediram que ele se identificasse e, em vez disso, ele sacou um revólver. Mujica foi alvejado por seis tiros de policiais e quase sangrou até a morte na calçada.
CONDIÇÕES DESUMANAS DE PRISÃO
O ex-combatente foi mantido em confinamento solitário. No início, ele foi privado de livros, jornais e até mesmo de luz solar. ”Depois do sétimo ano de confinamento permitiram-me ter alguns livro, de Técnica, ciência. Lá comecei a estudar muito: química, física, biologia”, relembrou Mujica mais de 30 anos depois.
Mujica chegou a comer papel higiênico, sabão e moscas para sobreviver. As celas eram estreitas, quase sem comida e com possibilidade de ir ao banheiro apenas uma vez por dia. “Ficava feliz todas as noites em que conseguia dormir em um colchão, ou toda vez que conseguia beber um copo d’água, ou toda vez que conseguia urinar… Acho que é por isso que nunca precisei de muito desde então”, disse ao elPeriódico em 2018.
Ele também dormiu entre a sujeira e os ratos. ”Os ratos sempre chegavam no mesmo horário, por volta de uma da manhã. Eles visitavam a cela todas as noites, com a mesma missão: caçar migalhas”, contou em entrevista ao jornal El País.
O uruguaio relatou anos depois ter perdido os dentes devido às surras que recebia na prisão. Durante seu período na prisão, Mujica sofreu abusos físicos e psicológicos que o levaram a se tornar paciente psiquiátrico no Hospital Militar de Montevidéu. Ele apresentou sintomas de alucinação, paranoia e delírio decorrentes das duras condições carcerárias.
Mujica foi preso em absoluto vazio jurídico, já que não foi julgado e nem acusado. ”Sua prisão extrajudicial poderia ser considerada, para todos os efeitos, um sequestro militar”, argumenta o historiador Dércio Fernando Moraes Ferrari, em seu artigo “A ascensão política de José Mujica no Uruguai: de guerrilheiro tupamaro a Presidente da República”.
PRISÃO ACABA EM 1985
Mujica foi solto em 1985, após o retorno da democracia e aprovação de uma lei de anistia para presos políticos. Ele se encarregou de comunicar aos uruguaios que o Tupamaros estavam abrindo mão das armas e das ações radicais.
Liberto, ele se dedicou ao processo de redemocratização do país. A participação de Pepe foi se dedicar a conversas pelo interior do país, tal como muitos outros ex-presos políticos no país fizeram naquela transição.
Ele chegou à Câmara dos Deputados com as eleições de 1994 e ao Senado com as de 1999. Foi também ministro da Pecuária durante o primeiro governo de Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020).
Chegou à Presidência do Uruguai em 2009. Alheio a protocolos, continuou a viver em sua fazenda e dirigindo seu próprio carro. Apoiou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a regulamentação do mercado de maconha.
MORTE DE MUJICA
O ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica morreu hoje, aos 89 anos. O político estava em cuidados paliativos. A informação foi confirmada pelo atual presidente uruguaio, Yamandú Orsi.
Em abril de 2024, Mujica anunciou que foi diagnosticado com câncer de esôfago. Em uma entrevista coletiva, o ex-político disse que descobriu o tumor em um exame de rotina, e que sua saúde ficou “muito comprometida”. O ex-presidente também sofria de Síndrome de Strauss, uma doença imunológica crônica.
Mas, em janeiro de 2025, ele disse que o câncer espalhou e que não seguiria o tratamento. Mujica explicou que a doença chegou ao fígado e que após o diagnóstico pediu aos médicos que não o fizessem “sofrer em vão”.
“O câncer no esôfago está colonizando o fígado. Não tem nada que eu faça que consiga parar. Por quê? Porque sou um idoso e porque tenho duas doenças crônicas. Meu corpo não aguenta”, disse Pepe Mujica, ao jornal uruguaio Búsqueda, em 7 de janeiro de 2025.
Meses depois, em maio, a esposa contou que ele recebia cuidados paliativos para alívio da dor em casa. O político estava em ‘fase terminal’, segundo Lucía Topolanski explicou a um veículo de comunicação do Uruguai, explicando porque ele não participou nas eleições regionais.