BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O historiador americano Eric Kurlander acredita que o avanço de líderes como Donald Trump, Vladimir Putin, Viktor Orbán, Jair Bolsonaro, Marine Le Pen e Giorgia Meloni é sintoma de algo mais profundo do que uma simples virada conservadora.
“Hoje, vemos o mesmo imaginário mitologia, paganismo, teorias secretas sendo explorado politicamente por líderes autoritários ao redor do mundo”, afirma, em entrevista por videoconferência.
Essas ideias, segundo ele, não são novas. Kurlander passou anos mergulhado nos arquivos da SS (guarda de elite do estado nazista), cartas pessoais de oficiais nazistas, jornais de época e documentos internos do Terceiro Reich.
O resultado é o livro “Os Monstros de Hitler”, um retrato detalhado de como o pensamento místico, esotérico e conspiratório não apenas circulava nos bastidores do regime, mas era parte fundamental da engrenagem ideológica do nazismo.
Segundo o autor, a chave para entender essa dimensão do nazismo está no que chama de “imaginário sobrenatural”, uma espécie de universo simbólico paralelo que ganhou força no século 19 como resposta à modernidade, ao racionalismo e ao avanço científico.
“A partir do período romântico, emergem três pilares paralelos do que chamo de imaginário sobrenatural, que as pessoas passaram a usar para tentar resolver problemas sociais e políticos no século 20”, diz Kurlander.
O primeiro pilar é o ocultismo: práticas como teosofia, antroposofia, astrologia, magia e parapsicologia foram “ressuscitadas” no final do século 19. O segundo, as religiões alternativas e o folclore, com raízes no paganismo germânico e na mitologia indoeuropeia. E o terceiro, o que ele chama de “ciência de fronteira” ou cosmobiologia, teoria do gelo mundial, radiestesia.
Todas elas buscavam oferecer uma ciência não materialista, capaz de fazer afirmações com autoridade fora do método empírico tradicional.
“Essas três correntes não são idênticas, mas surgem juntas e viram uma paleta, um repertório simbólico a partir do qual líderes autoritários podiam pintar um mundo mais simples e sedutor para quem se sentia alienado pela modernidade.”
A Primeira Guerra Mundial teria funcionado como catalisador. “As pessoas que talvez estivessem apenas marginalmente interessadas nessas ideias passaram a buscá-las com mais intensidade em meio à crise e à devastação”, diz.
No coração do nazismo, essas ideias encontraram terreno fértil. Heinrich Himmler, um dos principais líderes do regime, não era apenas simpatizante: “Himmler foi provavelmente o nazista mais poderoso totalmente investido nessas ideias ocultismo, mitologia, ciências alternativas. E não era uma exceção. Havia muitos outros líderes da SS que compartilhavam essas crenças.”
Kurlander afirma que grande parte dos documentos que embasam sua pesquisa são cartas e memorandos internos: “Há correspondências discutindo, por exemplo, se deveriam banir toda a astrologia ou apenas a astrologia não científica. E a conclusão foi: vamos apoiar a astrologia científica, porque ela é útil.”
Ao contrário do senso comum, essas crenças não eram exclusividade de fanáticos ou das massas sem instrução. “Na verdade, elas eram muito populares entre setores da pequena burguesia urbana advogados, engenheiros, banqueiros que não tinham formação científica, mas acreditavam que essas ciências alternativas eram mais autênticas e mais verdadeiras do que a ciência judaico-materialista.”
Ele identifica esse grupo como particularmente suscetível ao apelo de rituais, teorias da conspiração, símbolos e explicações totalizantes. “São pessoas frustradas com o materialismo, com a complexidade das instituições liberais. Querem soluções mais simples. Querem seguir um líder carismático.”
Para ele, a exploração desse tipo de simbologia atende a uma base específica. “Não são os muito educados nem os totalmente ignorantes, mas os semi-educados frustrados, ressentidos, românticos. Esses grupos são os mais vulneráveis.”
Kurlander cita como exemplo a liberação dos arquivos sobre o assassinato de Kennedy e da Área 51 feita por Donald Trump: “Ele sabia que seus eleitores eram conspiracionistas. Abrir esses arquivos, mesmo sem revelar nada, é um gesto simbólico para mostrar que ele está do lado deles.”
Ao final da conversa, Kurlander se mostra cético, mas não resignado. “Espero que algum tipo de novo iluminismo surja. Não sei se é possível, mas é uma esperança. A alternativa é aceitar que essas ideias retornam a cada geração e isso é profundamente pessimista.”
OS MONSTROS DE HITLER
– Preço R$ 159,90 (552 págs.); R$ 49,90 (ebook)
– Autoria Eric Kurlander
– Editora Zahar
– Tradução Gisele Eberspächer