SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No centro de São Paulo, uma porta tímida, ao lado de um restaurante, dá acesso ao histórico Palacete do Conde Lara, onde Anita Malfatti realizou a exposição que deu o pontapé no modernismo brasileiro. Mas, até esta quinta-feira (15), a mesa está posta nesse salão, simbolicamente. Pinturas com bananas, berinjelas, peixes em decomposição e afins evocam efemeridade, partilha e prazer.

A exposição “Na Ponta da Língua”, realizada pelo ORA —um projeto de perfil comercial e itinerante—, reúne obras de artistas consagrados e contemporâneos que orbitam o universo da comida como manifestação do desejo. “Quis trazer algo que fosse sobre fisicalidade, matéria, carne, algo que se pegasse”, diz a diretora artística Carolina Carreteiro.

A exposição parte de um gênero tradicional, a natureza-morta, para ampliá-lo. “É uma tentativa de prolongar o tempo das coisas porque envolve toda uma simbologia de capturar algo que fica podre. E a comida também é assim. Ela se transforma, apodrece, como a gente”, diz Carreteiro, que prefere pensar o termo em inglês, “still life”, ou a vida parada, em oposição à morte.

Alguns trabalhos foram criados especialmente para a exposição —caso das obras de Douglas de Souza, Ottavia Delfanti e Miguel Nassif. Outros, como as obras de Cândido Portinari, Estêvão Silva —um dos primeiros pintores negros de prestígio do Brasil— e Yan Copelli vieram de acervos e representações, num jogo colaborativo que o ORA vem estabelecendo como prática.

A própria ideia de reunir medalhões e jovens emergentes se alinha à proposta do espaço. “Colocar um Augusto Portella ao lado de um Portinari tensiona a leitura. Gera frescor para o antigo e legitima o novo”, afirma.

Em comum, as obras traduzem não um apetite literal, mas a pulsão simbólica. “Acredito que o desejo é a maior força motriz da vida. É o que move tudo. Demonizar o desejo é um erro. Toda obra nasce de um desejo: de se comunicar, de ritualizar, de estar junto.”

É o que se vê, por exemplo, na pintura de um peixe decapitado sobre um prato, de Portella, em que o artista se vale de técnicas tradicionais para criar um diálogo com a representação de cadáveres de animais na história da arte.

Ou nas cenas de partilha randômicas de Nicholas Steinmetz, onde planos se sobrepõem, e animais que ora estão no colo de alguém de repente se encontram com outros bichos humanoides dividindo a mesma ceia em família.

Quanto ao mercado de arte, Carreteiro alerta para a ausência de uma regulamentação sólida no setor, apesar de seu crescimento expressivo nos últimos anos.

“Assim como médicos e advogados seguem códigos de conduta, nós também precisamos de parâmetros éticos e profissionais que organizem as relações dentro do sistema artístico”, afirma. Para ela, a falta de normas claras e consensuais favorece práticas opacas e desiguais, prejudicando o desenvolvimento saudável do mercado.

Nesse sentido, ela defende a criação de códigos de ética, boas práticas e formas reguladas de trabalho, incluindo o direito de sequência —benefício que garantiria aos artistas uma porcentagem sobre revendas de suas obras, como já acontece em outros países.

Para ela, um dos principais entraves para a profissionalização do mercado é a cultura do silêncio. “Tudo é muito privado: as transações, os valores. Isso só enfraquece a classe artística, porque impede uma mobilização coletiva em busca de reconhecimento institucional”, aponta.

NA PONTA DA LÍNGUA

– Quando Até 15 de maio

– Onde Rua Libero Badaró, 336

– Preço Grátis