SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desembarca nesta terça-feira (13) na Arábia Saudita para sua primeira grande viagem internacional do segundo mandato -um giro pelo Oriente Médio que, para desconforto da elite política de Tel Aviv, não inclui Israel.
A decisão de esnobar o maior aliado na região neste que é, para todos os efeitos, o primeiro compromisso diplomático de Trump fora dos EUA (antes disso, só saiu do país para comparecer ao funeral do papa Francisco, no Vaticano) acontece após uma série de sinalizações do líder republicano de que a relação entre Tel Aviv e Washington não será de alinhamento completo, como esperavam os israelenses.
A expectativa não era absurda: assim dava a entender o histórico de Trump, que em seu primeiro mandato quebrou uma tradição de mais de meio século e se tornou o primeiro presidente americano desde o governo de Harry Truman (1945 – 1953) a não escolher o México, o Canadá ou o Reino Unido como seu primeiro destino internacional.
Na época, Trump visitou, justamente, a Arábia Saudita e Israel, ainda que tenha tido um breve encontro com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em Belém, na Cisjordânia.
Em 2018, o republicano também mudou a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, um golpe à solução de dois Estados entre israelenses e palestinos.
Alinhamento completo era também o que sugeriam falas recentes do republicano, como a de que os EUA poderiam ocupar a Faixa de Gaza e expulsar a população palestina do território -dita por Trump na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, em fevereiro.
De lá para cá, entretanto, os israelenses acumulam desconforto crescente com a Casa Branca. Entre negociações diretas com o Hamas para a libertação de um refém americano, um cessar-fogo com os houthis no Iêmen e avanços em um novo acordo nuclear com o Irã -todas decisões tomadas, segundo a imprensa americana, sem cooperação entre Washington e Tel Aviv-, Trump parece dizer a Netanyahu que pretende agir sozinho na região.
As razões para isso, segundo autoridades do governo Trump ouvidas pela emissora CNN, estariam relacionadas à frustração do presidente com Israel devido à continuidade da guerra em Gaza -o republicano busca anunciar um cessar-fogo que facilite os planos que tem para o território, mas Tel Aviv vem expandindo a operação militar e mantém a área sob cerco.
Nesta terça, antes de embarcar para a Arábia Saudita, Trump disse que o Irã estava “sendo inteligente” nas negociações com os EUA para o novo acordo nuclear.
O original, assinado entre Washington e Teerã pelo presidente Barack Obama, foi descartado pelo próprio Trump em seu primeiro mandato. Agora, o republicano busca um novo tratado em uma tentativa de usar a diplomacia, não a força, para impedir o regime iraniano de desenvolver uma bomba atômica.
“Queremos que o Irã seja rico, maravilhoso, feliz e grandioso, mas eles não podem ter uma arma nuclear. É muito simples. E acho que eles entenderam, que estão falando a sério e, até aqui, estão sendo muito razoáveis”, disse Trump.
Falas como essa compõem o clima que deixa os israelenses apreensivos para a viagem que começa na terça. Trump visitará, além da Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos. Tratam-se das três principais monarquias do golfo Pérsico, países autoritários com economias dependentes do petróleo e aliados tradicionais dos EUA no Oriente Médio.
O presidente americano chega a Riad, capital da monarquia saudita, com o objetivo declarado de não falar de política e focar apenas em negócios -o presidente dos EUA quer assinar acordos de investimentos que atinjam um valor combinado de US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,6 trilhões), uma quantia avassaladora de dinheiro que equivale a todo o PIB da monarquia árabe e que é considerada por economistas como sendo irreal.
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, prometeu investimentos de US$ 600 bilhões ao longo de quatro anos. Mas mesmo esse número é tido como duvidoso por especialistas -e ele pode, de todo modo, acabar ofuscado se Trump, como temem os israelenses, anunciar avanços no principal pleito dos sauditas junto aos EUA: cooperação para iniciar um programa nuclear civil.
Até aqui, a ideia de que Washington ajudaria Riad a construir e operar reatores para produção de energia sempre esteve conectada a uma eventual normalização das relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e Israel. Segundo uma reportagem da agência de notícias Reuters, entretanto, negociadores americanos não pretendem mais fazer essa exigência aos sauditas, buscando, em lugar disso, um acordo puramente comercial.
Em 2020, em seu primeiro mandato, Trump anunciou os históricos Acordos de Abraão, nos quais os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein concordaram em reconhecer a existência do Estado judaico. O presidente americano sempre falou do tratado como o feito mais importante na política externa de sua primeira gestão.
Mas a adesão da Arábia Saudita, principal potência econômica e militar da região, não caminhou em razão da insistência de Riad de que o governo israelense se comprometesse com o estabelecimento de um Estado palestino -passo que Tel Aviv não se mostrou preparado para dar.
Alguns analistas apontam, inclusive, que o temor de que a Arábia Saudita reconhecesse Israel sem exigir a criação de um Estado para os palestinos teria motivado o grupo terrorista Hamas a realizar o ataque de 7 de outubro de 2023 a fim de provocar uma guerra e, assim, impossibilitar qualquer normalização. Hoje, de qualquer forma, o reconhecimento de Israel pelos sauditas não parece estar próximo.
Depois de Riad, Trump deve desembarcar no Qatar, pequeno país no golfo pérsico que desempenha papel central na mediação entre EUA, Hamas e Israel na guerra na Faixa de Gaza.
O republicano vem sendo criticado pelo Partido Democrata por dizer que deve aceitar do governo qatari um dos presentes mais caros da história da diplomacia americana: um avião de luxo no valor de US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) que seria usado como a aeronave oficial da Presidência, o chamado Air Force One.
“Acho que é um gesto ótimo do Qatar”, disse Trump antes de embarcar para Riad. “Eu agradeço muito e nunca recusaria uma oferta desse tipo. Eu teria de ser muito burro para dizer ‘não, não quero um avião muito caro de graça’.”
Nos Emirados Árabes Unidos, onde chega na quinta-feira (15), Trump deve discutir investimentos em inteligência artificial e produção dos chips e componentes eletrônicos necessários para seu desenvolvimento a monarquia, que foi palco do encontro da ONU sobre mudanças climáticas em 2023, busca diversificar sua economia e se tornar menos dependente da venda de petróleo.