CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Esta será uma edição do Festival de Cannes para todos os gostos. É no que acredita o diretor da mostra de cinema mais importante do mundo, Thierry Frémaux, ao ser questionado sobre a forte presença de americanos na seleção, como Spike Lee, Richard Linklater e Christopher McQuarrie, que apresenta o novo “Missão: Impossível”.

“O cinema americano é um grande cinema, e o filme de estúdio sempre teve um papel importante na história. Precisamos lembrar que Alfred Hitchcock fazia filmes de estúdio e era um grande autor, então não há motivo para separar as coisas”, afirmou o francês, destacando o embate entre cinema comercial e autoral que sempre rondou as grandes mostras.

Mas em sua tradicional conversa com jornalistas na véspera da abertura do festival, Frémaux passou tempo razoável falando não da seleção deste ano ou do cinema francês –foram as tensões políticas a quilômetros de Cannes que acabaram roubando os holofotes.

No centro, ironicamente, está a meca do cinema mundial, Hollywood. Mais de uma vez Frémaux foi questionado sobre o que foi visto por membros da indústria como um ataque à cinefilia, na semana passada, quando Donald Trump autorizou a Casa Branca a estudar uma taxação de 100% a filmes gravados fora dos Estados Unidos.

Falsamente protecionista, a medida teria impacto direto em vários estúdios americanos, dos pequenos aos grandes, que com frequência ambientam suas histórias ou usam incentivos fiscais fora dos Estados Unidos –”Missão: Impossível”, justamente, elege uma série de países como cenários em cada um de seus capítulos.

“Nações se fortalecem por meio de sua cultura, da convicção de seu povo. Deixar que filmes estrangeiros entrem num território como os Estados Unidos é uma forma de nutrir o imaginário dos artistas, de inspirar a cultura que se faz ali”, disse Frémaux, ao ser questionado sobre a medida e seu potencial impacto não apenas nas sessões de Cannes, mas em seu Mercado do Filme, área de negócios que banca boa parte do evento.

“Mas nós sabemos que ele [Donald Trump] diz uma coisa, depois se contradiz, volta atrás, muda o discurso. Então não sei bem o que dizer sobre esse assunto no momento, apenas que o cinema sempre acha uma maneira de existir, de se reinventar. Mas não tenho conhecimento econômico suficiente para avaliar essa proposta.”

O mantra de que a arte sempre acha um meio se repetiu mais tarde, quando o diretor do festival foi questionado sobre o desaparecimento de filmes argentinos da seleção, um ano depois de Frémaux ter lamentando a caçada à produção cultural do país por parte do presidente Javier Milei. “Não é uma situação fácil”, resumiu ele na edição passada.

Agora, repete que o cinema feito na Argentina está frágil, em meio aos cortes de verba do atual governo, mas pondera que Milei foi eleito democraticamente e, portanto, não cabe a ele contestar sua agenda política. “É um presidente ultraliberal e ultranacionalista, mas ser nacionalista deveria significar, também, ver no cinema uma forma de valorizar a história e a força de um país.”

Frémaux também falou do sumiço do cinema russo na programação dos últimos anos, desde a eclosão da Guerra na Ucrânia. Kirill Serebrennikov pode até desfilar em Cannes nesta edição, mas sua presença é uma exceção, permitida porque o cineasta é opositor ferrenho de Vladimir Putin.

Por outro lado, a Ucrânia, que tem o apoio público do festival, segue abastecendo as salas da Riviera Francesa com longas que falam, quase sempre, do conflito. “O cinema russo faz falta, mas não há o que fazer enquanto não chegarmos à paz e enquanto a Rússia não deixar de ser uma agressora”, resumiu Frémaux.