SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando ouviu pela primeira vez sobre “dinheiro social” e “economia circular”, Joseane dos Santos, 53, decidiu na hora que estava disposta a tentar. “Acreditei desde o começo e foi tudo de bom. Mas teve gente que não acreditou”, afirma.

Marisqueira há 30 anos na comunidade de Vergel do Lago, em Maceió, ela é uma das beneficiadas pelo Laguna, o primeiro banco comunitário da capital alagoana. Com a venda industrial da casca do sururu, uma espécie de mexilhão, foi criado o sururote, dinheiro social usado para financiar compras dentro do bairro e movimentar a economia local.

“A casca do sururu era jogada fora e ficava apenas o filé. Eram oito toneladas de resíduo por dia. O odor era forte e havia muitas doenças. Resolvemos fazer um plano de economia circular em que a ponta final é o sururote”, diz Lisania Pereira, CEO da ONG Mandaver, fundadora e presidente do Banco Laguna.

As mulheres que quiseram embarcar na ideia passaram por treinamento e aprenderam sobre o processo de secagem das cascas. Essas depois são repassadas para indústrias que remuneram o projeto. O que é arrecadado, vai para as marisqueiras, menos uma taxa de 10%. Essa porcentagem se torna uma espécie de fundo garantidor de crédito do sururote, dinheiro que pode ser usado apenas dentro da comunidade.

“Ganhamos um prêmio de empreendedorismo de R$ 6.000 em 2022 e este foi o fundo garantidor no início. Colocamos um valor correspondente a isso em sururotes. O que é arrecadado, aumenta o lastro do dinheiro e colocamos mais notas em circulação. Em três anos, já tivemos mais de 1 milhão de notas em circulação. Como só pode ser usado dentro do Vergel, estimula o comércio”, completa.

Neste ano, até agora foram arrecadados R$ 25 mil. O fundo recebeu R$ 2.500, e R$ 22,5 mil foram distribuídos para as marisqueiras.

Vergel do Lago, área de ruas estreitas e casas coladas umas nas outras, faz parte do bairro do Vergel, um dos mais antigos de Maceió, com população estimada em 60 mil pessoas.

A economia depende da pesca na Lagoa Mundaú. Apenas mulheres da comunidade participam do projeto porque pesquisa do Sebrae apontou que 73% delas sustentam as famílias. Em cada 10, 3 têm filhos menos de seis anos de idade.

Por causa do analfabetismo presente na área, cada nota tem cor e desenho diferente para facilitar a identificação do valor. No mês passado, foram lançadas as cédulas de 20 e 50 sururotes. Existiam até então as de 50 centavos, 1, 2, 5 e 10.

Com a venda apenas do filé do mexilhão, as famílias conseguiam lucrar cerca de R$ 300 por mês. A partir da venda da casca e do projeto de economia circular, a renda pode chegar a R$ 3.000.

“No nosso bairro o que mais se via antes era lixo, animal atrás de restos de comida, mau cheiro. Mudou muita coisa. Acabei de fazer uma compra de R$ 1.200 e paguei com nossa moeda social”, completa Joseane.

De maneira direta e indireta, são beneficiadas 90 famílias. A marisqueira relata que amigas que não quiseram no início ou desistiram estão na fila por uma vaga para fazerem parte do projeto.

Outras 300 mulheres passaram por cursos de empreendedorismo e educação financeira. De acordo com Lisania, são oferecidos microcréditos para expansão de negócios com o valor máximo de R$ 5.000. A condição é movimentar a economia do bairro.

Foi essa possibilidade que estimulou Erica Janaína da Conceição, 28, a desafiar a opinião de sua família e alugar um ponto para vender roupas. Antes, fazia isso em casa.

“Abriu minha mente e me deu coragem. Percebi que posso chegar muito além do que pensava. Tem muita gente da região que passa em frente [ao comércio] e me diz que não conhecia a loja. Meu próximo projeto é ter uma funcionária para me ajudar”, diz ela, proprietária da Dona Jana Store.

Os créditos foram obtidos também por costureiras, cozinheiras, manicures e cabeleireiras. E essa movimentação da economia se torna mais importante a partir deste mês, quando começa o período considerado mais chuvoso do ano.

“Os meses de maior renda para as marisqueiras são no verão, principalmente no final e começo do ano porque a lagoa não está nem doce, nem salgada. Entre maio e julho fica doce demais e o sururu morre”, explica Lisania.

A ideia é que o sururu continue a ser parte integral do Vergel do Lago, como sempre foi. Mas que a área não dependa apenas disso.

“O que eu mais queria, consegui. Tenho agora minha casa e comecei a ajeitar do jeito que eu quero. Comprei um box para o banheiro, espelho novo… Tudo com a nossa moeda”, diz, orgulhosa, Joseane. “Azar de quem não acreditou.”