SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O violonista e compositor Cleber Augusto deixou o Fundo de Quintal em 2003 e após um curto período de carreira solo, foi diagnosticado com um câncer nas cordas vocais. Ele não fala desde então, porém foi lançado um álbum com ele cantando graças à inteligência artificial.
Álbum “Minhas andanças” foi lançado no fim de abril. Obra é uma homenagem às composições do músico e conta com participação de vários cantores conhecidos (como Seu Jorge, Ferrugem, Mumuzinho, Diogo Nogueira, Bruno Cardoso, do grupo Sorriso Maroto, entre outros). Nome faz referência a uma das faixas que ele próprio compôs e cantava no Fundo de Quintal. Talvez seu maior sucesso seja “A Amizade” (“Quero chorar o seu choro, quero sorrir teu sorriso, valeu por você existir, amigo”).
“Sou fã do Cleber e sempre gostei do timbre dele. Estava estudando sobre inteligência artificial e ouvindo uma playlist que tenho de composições dele. Aí, comecei a considerar as possibilidades e apresentei a ideia para o Cleber Augusto, no ano passado, com a ajuda do produtor musical Alessandro Cardozo, e ele gostou”, disse Tony Vieira, diretor artístico da gravadora Warner Music, em conversa com o UOL.
Fazer o Cleber “cantar” envolveu desafios, pois não tinha muitos exemplos. Segundo Tony, a maioria das gravações em que tinha a voz do Cleber eram em álbuns do Fundo de Quintal, cujos direitos não pertencem à Warner Music. Então, tiveram que dar um jeito para alimentar uma inteligência artificial.
“Começamos a buscar entrevistas na internet e shows solo dele, de quarenta e poucos minutos, para treinar a inteligência artificial”. Tony diz que havia muito pouco material, mas que foi o suficiente para chegar a um bom resultado. O processamento foi feito pela empresa britânica MyVox.
Com a voz artificial, acharam uma pessoa para fazer a voz guia, imitando as nuances e trejeitos do Cleber. O escolhido foi o músico Alexandre Marmita, do Samba do Trabalhador.
Por fim, a voz guia foi “revestida” com a voz do Cleber criada com inteligência artificial. Segundo Tony, Cleber participou ativamente das gravações, inclusive dando sugestões de como sua “voz guia” deveria proceder. Ainda que não tenha cordas vocais, Cleber usa uma laringe eletrônica para se comunicar, colocando um equipamento próximo à garganta para emitir uma voz robótica.
Todas as músicas do álbum são um dueto entre Cleber e artistas convidados. “Desde o começo a ideia era ter essas participações, justamente para dar uma nova roupagem às músicas, para levá-las para um público mais diverso e também por uma segurança tecnológica”, diz Tony.
Algo curioso é que o álbum tem músicas que ele nunca gravou em sua voz e uma faixa inédita. “Ímã” é uma música, cantada em parceria com o Péricles, que Cleber compôs já quando não tinha mais voz. “Fera no cio” foi gravada originalmente por Mário Sérgio no Fundo de Quintal, e “Amor não é por aí”, única parceria de Cleber com Arlindo Cruz e Sombrinha (ambos ex-membros do Fundo de Quintal), também não tinha gravação com sua voz.
Projeto é pioneiro, pois o artista que teve a voz recriada por IA está vivo e participou do processo. Em 2023, a voz da cantora Elis Regina foi recriada por inteligência artificial para um comercial de um veículo, em um dueto com sua filha Maria Rita. No caso, a autorização do uso da voz e imagem de Elis foi feito pelos filhos. Na época, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) chegou a analisar as questões éticas sobre o uso da voz de uma pessoa morta – caso foi posteriormente arquivado.
“Minhas andanças” foi lançado com dez músicas no fim de abril; quatro novas faixas devem compor uma versão deluxe. As músicas adicionais são duetos de Cleber com Zeca Pagodinho (cantando “Nem lá nem cá”), Roberta Sá (cantando “Romance dos astros”), Marvvila (cantando “Livre para Sonhar”) e Sereno, do Fundo de Quintal (cantando “Lucidez”). Previsão é que lançamento ocorra em 21 de maio.