SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Políticas públicas para mulheres com efetividade posta em xeque, popularidade em baixa com o segmento e recorrência de falas consideradas machistas compõem o cenário a ser enfrentado pelo presidente Lula (PT) na corrida para garantir o apoio feminino nas eleições de 2026.

Em meio a esse contexto, Lula trocou, na segunda-feira (5), a então titular do Ministério das Mulheres, a petista Cida Gonçalves, por Márcia Lopes, também do PT. Depois de nomeada, a nova ministra afirmou que o presidente “tem cobrado muito” políticas públicas para o setor.

“O presidente Lula disse que ele quer ver as mulheres mais contentes, que ele quer ver as mulheres mais protegidas”, afirmou Márcia Lopes.

A nova ministra também citou ser “muito difícil, em um país com dimensões continentais, dar conta de chegar a todos os lugares”.

É justamente a dificuldade na execução um dos entraves identificados por especialistas ouvidos pela Folha sobre o desempenho do governo Lula 3 nas pautas sobre mulheres. O cenário é de aumento de gastos, mas gargalos na execução e na efetividade das ações.

Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, o governo destinou, em 2023, R$ 215 bilhões em 91 ações distribuídas em diferentes pastas e cujas beneficiadas foram mulheres, em categorias como proteção social, enfrentamento à violência e saúde.

Entre as ações destacadas como importantes pela pasta das Mulheres, estão a aprovação da Lei de Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023), a Política Nacional de Cuidados e o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios.

Em 2024, três novos programas da pasta voltados à igualdade, combate à violência e autonomia econômica das mulheres tiveram orçamento autorizado de R$ 256,35 milhões. Apenas R$ 36,62 milhões, entretanto, foram efetivamente pagos (14,29% do total), segundo o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

“Apesar de 92% dos recursos terem sido empenhados, o que demonstra intenção de uso do orçamento, o pagamento efetivo –que representa a implementação real das ações– foi limitado a 14,29% do total previsto”, diz o instituto, para quem o dado “revela que os serviços não se concretizaram, ainda, nos territórios onde vivem as mulheres”.

Um dos gargalos, diz Rosely Pires, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e coordenadora de um programa voltado a cultura e enfrentamento às violências, é chegar com eficiência aos estados e municípios, responsáveis por implementar parte das ações.

Outro problema, aponta Carmen Migueles, pesquisadora da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas), é a falta de diagnósticos mais profundos e de investimento em pesquisas de qualidade para embasar as políticas sociais, muitas vezes feitas de maneira apressada, interpreta ela.

“Vários projetos são bastante interessantes, como a construção de casas para mulheres vítimas de violência, mas outros são pouco efetivos em termos de resultado concreto, como a cota de 8% de mulheres nas contratações públicas, que não ataca o problema de falta de representatividade de frente”, afirma.

A imprecisão sobre a efetividade das ações aumenta com a falta de tradição em monitorar os programas sociais, diz Janaína Feijó, pesquisadora do FGV Ibre.

Pesquisa Datafolha de fevereiro registrou queda acentuada de avaliações ótimas e boas do governo entre mulheres, indo de 38% em dezembro de 2024 para 24% em fevereiro deste ano. Em abril, o valor registrou subida, indo para 30%. A margem de erro da pesquisa para esse segmento foi de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Além dessa incerteza sobre se, de fato, as políticas públicas estão melhorando a vida das mulheres, outro fator poderia explicar a baixa da popularidade de Lula com o eleitorado feminino, afirma Feijó.

Para ela, a inflação dos alimentos e a alta taxa de juros podem explicar o fenômeno, uma vez que as mulheres chefiam praticamente metade dos lares brasileiros, segundo o Censo de 2022.

Carmen Migueles também vê a economia como o principal fator a distanciar as mulheres de Lula. Ela afirma que parte das eleitoras votou no petista com a esperança de ver melhorias concretas na qualidade de vida, mas ainda não conseguiu progredir economicamente.

O eleitorado é considerado estratégico para o petista em 2026. Na véspera do segundo turno que o levou para o seu terceiro mandato, em 2022, as mulheres deram vantagem considerável ao petista contra Jair Bolsonaro (PL).

Pesquisa Datafolha sobre intenção de voto às vésperas do pleito apontou que Lula tinha 55% de intenção de voto entre as mulheres, contra 45% de Bolsonaro. O segmento masculino ficou dividido em 50% para cada candidato.

Outro aspecto traz desafio ao petista: a recorrência de falas machistas, que têm gerado desconforto e manifestação inclusive de aliadas.

Depois de tomar posse na segunda, Márcia Lopes afirmou que não se pode “relativizar” as declarações.

“Eu penso que a gente jamais pode relativizar essas falas e atitudes que contrariam a nossa luta e a nossa própria história da esquerda, de quem quer democracia e um país igual”, disse ela em entrevista à GloboNews.

Duas das mais recentes declarações de Lula criticadas pelo sexismo foram quando chamou, em 8 de abril, a diretora-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), Kristalina Georgieva, de “mulherzinha” e quando disse, em março, ter nomeado uma “mulher bonita”, Gleisi Hoffmann (PT), para a Secretaria das Relações Institucionais para “melhorar a relação” com o Congresso.

Para Rosely Pires, é preciso não tergiversar na hora de condenar frases machistas, que produzem impacto real na vida das brasileiras. Ela diz que a “misoginia está na estrutura da sociedade” e que falas do tipo precisam ser revistas, pois “fragilizam as mulheres”.