SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É depois da Liturgia da Palavra que a Igreja Católica se sustenta. Em geral depois da homilia, da celebração ao verbo, é que os fiéis são convidados ao ofertório. São duas vias que se cruzam na ideia e na prática: ao altar, o pão e o vinho; a um cesto ou qualquer item que funcione como tal, o dinheiro.

O Vaticano se financia única e exclusivamente por doações e compras de seus seguidores; uma vez que não recolhe impostos —e mesmo se o fizesse, seus pouco mais de 800 moradores não sustentariam tanta coisa— a Santa Sé depende de dízimos, ofertas e receita dos itens litúrgicos e museus.

No território central do catolicismo, murado dentro de Roma, são mais volumosos os montantes advindos do óbolo de são Pedro —uma coleta anual que envolve todas as dioceses do mundo e, geralmente em junho, convoca os fiéis a apoiar as obras de caridade do papa e, claro, o funcionamento da Igreja.

É nesta segunda categoria que reside um dos maiores desafios que Leão 14 enfrentará. Em 2023, por exemplo, as doações que referenciam o primeiro dos papas, são Pedro, arrecadaram algo próximo de € 103 milhões. Destes, € 13 milhões —ou 12,6%— foram destinados diretamente à caridade. Os outros € 90 milhões foram usados em despesas burocráticas da Santa Sé.

“É preciso considerar que o Vaticano é um grande negócio em termos financeiros, mas também imobiliários”, afirma o vaticanista italiano Roberto Cipriani. Segundo os dados mais recentes, a Igreja tem, somente nos arredores italianos da sede, algo em torno de 4.000 imóveis; ao levar em conta toda a Europa, o número é próximo dos 5.000 —destes, cerca de 20% geram receita principalmente com aluguéis.

Também em 2023, de quando são os relatórios mais atualizados, a Cúria fechou o ano com um déficit operacional na casa dos € 83 milhões. É também para cobrir esse buraco, segundo Cipriani, que o óbolo de são Pedro tem sido usado.

É importante, segundo ele, delimitar algo crucial: as dioceses espalhadas pelo mundo são financeiramente independentes do Vaticano e têm uma gestão descentralizada. Na prática, isso significa dizer que as autoridades católicas de cada país —ou respectivas subregiões— gerem os próprios recursos.

Com esse pano de fundo, é difícil estabelecer a riqueza total sob o guarda-chuva do catolicismo apostólico romano. Somente na tutela de sua repartição central, no entanto, o valor é estimado em US$ 5 bilhões —sem considerar valores imensuráveis das grandes basílicas e de suas obras de arte, como “A Criação de Adão”, de Michelangelo, e “A Última Ceia”, de Da Vinci.Os números são, hoje, públicos devido especialmente à intensa reforma promovida por Francisco que, entre outras decisões, determinou a publicação de relatórios financeiros mais transparentes.

As mudanças do último papa foram, inclusive, estruturais. O pontífice argentino reorganizou a gestão de patrimônio da Santa Sé e alocou toda a sua supervisão —incluindo o IOR (Instituto para as Obras de Religião), conhecido como Banco do Vaticano— sob a APSA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica).

Cipriani, que é professor emérito da Universidade Roma Tre, classifica as ações de necessárias e afirma que a decisão acertada “evita alguns escândalos e alguns maus usos do dinheiro que já houve no passado”. Ele se refere ao escândalo da compra de uma propriedade de € 350 milhões em Londres, que resultou na condenação do cardeal Angelo Becciu —que foi impedido de participar do conclave por esse motivo.

A realocação do comando de patrimônio para a APSA não foi bem recebida em todas as repartições internas da Igreja. Houve forte atrito entre os então presidentes do banco e do órgão gestor. Segundo Cipriani, a relação se abrandou quando “Francisco pediu ao presidente [da APSA] que telefonasse para o presidente do IOR no aniversário dele, como uma maneira de melhorar o comportamento, um símbolo de amizade”.

As mudanças, por outro lado, não foram simbólicas: o atual presidente da APSA, o arcebispo Giordano Piccinotti, agora é responsável tanto pela gestão dos ativos financeiros —que, por determinação de Francisco, devem ser investidos e apresentar rendimento, mas sem caráter especulativo— quanto imobiliários. Nestes campos, em 2023, a APSA apresentou um lucro de € 45,9 milhões —destes, € 37,9 milhões foram destinados à Cúria Romana, a missão do papa.

Esses resultados, para Cipriani, comprovam que “as coisas estão ficando cada vez melhores, mesmo que o orçamento oficial final ainda não esteja em boa situação”. Na conta geral, segundo ele, ainda falta equilibrar o principal problema: o alto número de funcionários e ainda mais alto gasto com pensões.

São cerca de 4.000 pessoas que trabalham para os órgãos do Vaticano e, entre esses, cerca de 2.000 são só na Cúria Romana —número três vezes maior que todos os funcionários dos museus da cidade-estado, por exemplo.

Leão 14, enquanto líder de toda essa estrutura, precisará evoluir as soluções —em maioria iniciadas por Francisco— que diminuam o custo de funcionamento da Santa Sé, supram a necessidade do pagamento de pensões e, acima de tudo, honrem as doações enviadas com destino à caridade. “Acho que uma gestão mais atenta pode proporcionar uma situação melhor”, conclui Cipriani.