SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O cartaz da festa de aniversário ainda está pregado na parede do bar. Lucas Assunção, 33, aponta orgulhoso para as crianças brincando na praça Chicão, batizada com esse nome para homenagear antigo morador local.
“A comemoração foi até de madrugada, e as crianças brincando na rua, sem preocupação nenhuma. Em que outra comunidade você vê isso?”, questiona.
A celebração era pelo aniversário de dez anos da Favela Haiti, na Vila Independência, zona leste da capital paulista. Desde o início de maio, a missão de Assunção passou a ser gerir a comunidade e manter todas as conquistas obtidas nos últimos anos.
“Eu já fui gerente de restaurante na avenida Paulista. Estou acostumado a administrar pessoas. Sei como é”, diz.
Escolhido para presidente do Instituto Favela Haiti, ele recebeu “as chaves” da comunidade das mãos de Cesar Gouveia, o representante da ONG Vozes da Periferia, que pelos dois últimos anos foi o responsável pela região, em programa idealizado por outra organização não governamental, a Gerando Falcões.
Neste período, a Favela Haiti se tornou modelo para outras ocupações do estado. Sob a administração de Gouveia, da Vozes da Cidade e da Gerando Falcões, foi atingido o pleno emprego. Todas as 267 famílias do local têm sistema de água e esgoto. Cerca de 150 casas foram reformadas ou construídas com material sustentável.
Houve aceleração do empreendedorismo e moradores que são donos de comércios ganharam crédito de R$ 10 mil cada para melhorias.
Uma horta administrada por moradores e que vende os produtos para restaurantes de bairros vizinhos arrecada R$ 5.000 mensais. E, no que é grande motivo de orgulho, eles afirmam que a favela está livre da influência do tráfico de drogas.
“O papel do Lucas vai ser coordenar o território para que o que foi feito não seja destruído. Mas também cabe a ele trazer novas parcerias para continuar a jornada de desenvolvimento dessa comunidade, da digitalização e manutenção deste legado”, diz Cesar Gouveia.
O 1º de maio representou a emancipação da favela. A administração passou a ser de Assunção e de sua equipe de cinco pessoas. Ajuda a missão o fato de ele viver no local há seis anos e ser visto, desde a pandemia de Covid, como alguém que é procurado em caso de necessidade.
Dentre os planos está oferecer mais cursos para os jovens e, principalmente, construir acordos que possam aumentar a renda da favela. Assim, o instituto pode financiar mais melhorias na vida das pessoas sem depender dos recursos captados pela Gerando Falcões.
A ONG não vai se afastar, por enquanto, da comunidade. À distância, acompanhará todos os indicadores sociais para ver como Assunção tem desempenhado seu papel.
“Tudo o que foi feito aqui é espelho para outros lugares e sei disso. Então, é uma responsabilidade que pesa sobre os meus ombros, a de manter esse entendimento dos moradores e de quem convive nesse território sobre o legado que deve ser mantido a todo custo. Não só isso, mas precisa ser melhorado”, diz o presidente do instituto.
Ele e sua equipe foram preparados por um ano para este momento. Passaram por cursos de liderança, de gestão de pessoas, programas de informática para administrar dados e finanças da favela. Ajeitaram os últimos detalhes para assumir a administração.
O Haiti foi a primeira a ser emancipada no programa Favela 3D idealizado pela Gerando Falcões. A sigla significa “digital, digna e desenvolvida”.
A ideia foi implementada em maio de 2023. Foi um piloto que os idealizadores pretendem expandir para outras áreas carentes da capital. Foram investidos R$ 7,5 milhões no total, com patrocínio do festival The Town, da Gerdau e da Fundação Grupo Volkswagen.
O trabalho foi dividido em dois estágios: decolagem e mudança social. As famílias foram acompanhadas pelos chamados “protetores”, que trabalharam com os sonhos delas e tentaram ajudar para que se tornassem realidade.
Foi traçado objetivo para que todas as crianças fossem à escola ou para uma creche. Todas tiveram reforço escolar da Kátia Kids, braço da Fundação Katia Francesconi.
A equipe da ONG Gerando Falcões e Vozes da Periferia, que geriu a Favela Haiti pelos últimos dois anos Rafaela Araújo Folhapress Um grupo de treze pessoas está posicionado em uma escada de madeira, sorrindo para a câmera. Foi resolvido o problema de 60 delas que não iam à escola devido à distância. Na construção de casas, foram usados materiais como PET, caixas de leite e tubos de pasta de dente.
A Vozes da Periferia afirma que o percentual de pessoas desempregadas na favela é de 3%, o que se encaixa na condição de pleno emprego.
Os dados são recitados por Cesar Gouveia para explicar o sucesso do projeto. Lucas Assunção, ao lado dele, não parece abalado. Ele aponta para a praça Chicão, construída durante o projeto, pintada em cores vivas e com crianças brincando o tempo inteiro.
“A gente não pode perder isso. As famílias empregadas, gerando renda… A horta fornecendo legumes e verduras para cada vez mais comércios. A fábrica de polvilho que está se expandindo, os cursos profissionalizantes para adolescentes. Isso não vai mudar. E, principalmente, não podemos perder essa imagem das nossas crianças brincando livremente em horários que são muito difíceis de ver em outros territórios”, diz.
Enquanto ele fala, o sistema de som da favela agradece ao trabalho feito pela ONG Vozes da Periferia e sinaliza que há uma nova gestão na favela Haiti.