BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Neste domingo (11), a colombiana Patrícia Cortez, 22, e a filha, de um ano e sete meses, vão passar o primeiro Dia das Mães em liberdade. A criança nasceu na cadeia feminina El Buen Pastor, em Bogotá (Colômbia), quatro dias após Patrícia ter sido presa, junto com a mãe, por tráfico de drogas. Em setembro do ano passado, as três deixaram a prisão.
“Meu pai é morador de rua, e minha mãe vendia milho na feira, mas não era o suficiente para alimentar oito filhos. Ela começou a vender drogas e eu, tolamente, a acompanhava”, contou à Folha.
Até o fim de abril, Patrícia, a mãe dela e outras 141 mulheres tinham sido beneficiadas por uma lei do presidente Gustavo Petro que permite que mulheres chefes de família presas por crimes relacionados a drogas e a pequenos furtos, por exemplo, cumpram suas penas fora da prisão em troca de serviço comunitário não remunerado.
No poder desde 2022, o esquerdista Petro considera um fracasso a chamada guerra às drogas, liderada pelos Estados Unidos há décadas, e aposta em uma abordagem mais centrada na prevenção ao consumo. Em paralelo, ele é alvo de acusações graves sobre sua vida pessoal, por parte do ex-chanceler Álvaro Leyva, que afirma que o presidente sofre de dependência química, o que comprometeria sua capacidade de governar.
Criada em março de 2023, a chamada de Lei de Utilidade Pública é considerada a primeira política criminal com foco em gênero na Colômbia, país que mais produz cocaína no mundo, e tem sido apontada como modelo para a América Latina. A medida busca reconhecer as condições de pobreza e de desigualdades que levam muitas mulheres a cometer delitos.
Para obter o benefício, as mulheres precisam provar que foram condenadas por crimes relacionados à sua situação de marginalidade e vulnerabilidade socioeconômica. As penas não podem ultrapassar oito anos. Também é preciso que haja vagas disponíveis para a prestação de serviços comunitários.
“Pensamos nesse enfoque restaurativo, com a perspectiva de gênero, para reparar mulheres que delinquiram em contextos de pobreza, abuso ou violência machista”, afirmou à Folha a ministra da Justiça e do Direito da Colômbia, Ángela María Buitrago.
Segundo relatório da ONU, com dados de 2019, cerca de 80% das mulheres presas na Colômbia por narcotráfico ou crimes similares tinham entre um e cinco filhos. Desse total, 60% foram mães antes de chegar à maioridade e apenas 19% concluíram os estudos.
Para Isabel Pereira, cientista política da organização sem fins lucrativos DeJusticia, de Bogotá, há uma tendência latino-americana de criminalizar por tráfico de drogas mulheres mais vulneráveis. “A legislação não distingue os níveis de participação no tráfico de drogas. O chefão da rede criminosa é tratado da mesma forma que a mulher que entrega cigarros de maconha em uma loja.”
De acordo com a ONG americana Wola, com foco em justiça social e direitos humanos na América Latina e no Caribe, mais de 40% das detentas das Américas foram presas por crimes relacionados às drogas.
Ana Carolina Plata Nieto, 44, condenada a sete anos e quatro meses por tráfico de drogas, foi beneficiada pela nova lei colombiana há dois meses. Ficou detida por quatro anos e oito meses em uma prisão em Medelín, a 420 km de Bogotá, e, nesse período, não viu os cinco filhos, dois deles menores de idade.
“Somos muito pobres, eles não tinham recursos para ir me visitar, falávamos por telefone. Nesse período, minha família se desintegrou. Meu filho mais velho foi preso [também por tráfico], o outro saiu de casa e uma amiga passou a cuidar dos menores”, afirmou à Folha.
Foram 15 meses de espera até conseguir o benefício. “Em 12 de março, me disseram sim. Eu só pensava em abraçar meus filhos. Desde que cheguei em casa, o menor [de 11 anos] não desgruda de mim. Já não são os mesmos meninos que deixei antes da prisão. Sofreram muito, tiveram que se virar sozinhos.”
Tanto Ana quanto Patrícia, que falaram com a reportagem na sede da organização DeJusticia, queixam-se da falta de oportunidades de trabalho, agravada pelo estigma de terem sido presas. “É muito difícil conseguir um emprego permanente porque também temos que cumprir 20 horas de serviço comunitário por semana”, diz Patrícia, que trabalha como vigia em um estacionamento e presta serviço comunitário no Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar.
A ministra Ángela Buitrago afirma que esse é um gargalo importante na nova lei e que o governo busca novos convênios com empresas para ampliar vagas de emprego. Também afirmou que estão sendo criados programas educativos e de capacitação profissional nas cadeias com objetivo de preparar as detentas para a reintegração à sociedade.
Das 15.681 mulheres presas até o fim de abril, cerca de 1.250 preenchiam os requisitos para serem beneficiadas pela nova lei, segundo a ministra. Mas, para organizações da sociedade civil que monitoram a aplicação da nova política, há ao menos o dobro de mulheres aptas ao benefício e que não o conseguem por uma série de entraves.
Entre eles estão a falta de conhecimento da lei, a dificuldade em documentar os casos e as interpretações feitas pelos juízes em relação ao conceito de marginalidade, segundo a organização DeJusticia.
Unhas pintadas de uma detenta do presídio feminino El Buen Pastor, em Bogotá (Colômbia) Andres Bo Harm Reduction International A imagem mostra as mãos de uma pessoa com unhas longas e decoradas. As unhas têm uma combinação de cores, incluindo rosa, amarelo e detalhes em branco. A pessoa está usando uma roupa de cor clara, que parece ser um uniforme, e há manchas de tinta visíveis na calça. Um bracelete azul é visível no pulso. **** Para Buitrago, embora nem sempre seja fácil definir a marginalidade para fins de aplicação da lei, existe uma compreensão dos juízes sobre o conceito. “Os 143 benefícios concedidos são a prova disso.”
Ela explica que a marginalidade tem que estar presente no momento em que o delito foi cometido. Não pode ser antes nem depois. “A casualidade é fundamental para justificar a concessão do benefício.” Isso significa que a pessoa precisa provar, por exemplo, que não tinha recursos e que a vulnerabilidade extrema a levou a cometer o delito. “Não me parece difícil provar isso”, diz a ministra.
A Folha integrou uma comitiva de jornalistas internacionais que visitou a cadeia feminina El Buen Pastor, em Bogotá, em 29 de abril, na companhia de Buitrago e de outros integrantes do seu ministério. A visita fez parte da programação de uma conferência internacional de redução de danos.
Muitas presas reclamaram da demora em conseguir o benefício. A detenta Claudia Avian, 51, condenada a quatro anos e seis meses de detenção por tráfico de maconha, afirma que preenche os requisitos da lei, fez a solicitação há um ano, mas ainda não foi atendida.
Ela conta que cuidava sozinha da mãe, uma idosa de 86 anos acamada, da filha, 33, que trata um câncer de colo de útero, e de dois netos, de 13 e 15 anos. A filha também já esteve presa por tráfico e foi libertada devido à doença. “Uma vizinha está olhando a minha mãe e meus netos. Minha filha precisou se internar porque está muito mal. Está sozinha no hospital. Estou muito apreensiva”, relatou, com a voz embargada.
Segundo a ministra, foi feita uma aliança com a Defensoria Pública por meio da qual estão ocorrendo oficinas diárias para a revisão dos pedidos e dos requisitos com a meta de acelerar os processos das presas que já aptas ao benefício.
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