SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O crescimento exponencial de picadas de escorpiões peçonhentos no Brasil é preocupante e foi considerado como “uma epidemia oculta” no país em um artigo de opinião publicado nesta quarta-feira (8) na revista científica Frontiers. Assinado por pesquisadores brasileiros, o artigo defende o desenvolvimento de medidas para frear o aumento de acidentes por esses animais.
O novo artigo considera principalmente dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), vinculado ao Ministério da Saúde. Segundo os dados veiculados na publicação, em 2014, foram quase 67 mil casos de acidentes causados pela picada de escorpião em todo o país. Em 2023, esse número foi de cerca de 170 mil. Se o padrão continuar o mesmo, é estimado que sejam mais de 274 mil casos em 2033.
Esse aumento considerável não foi visto no caso de outros animais venenosos. “Você observa que os envenenamentos por serpentes e outros animais crescem, mas em uma proporção bem menor do que o crescimento de acidentes por escorpião”, afirma Eliane Candiani Arantes, professora da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto no laboratório de toxinas animais.
A principal espécie responsável por esse aceleramento é o Tityus serrulatus. A professora explica que essa espécie é bem adaptada ao ambiente urbano, como no caso de esgotos, o que ajuda no alastramento do animal. “Todas as residências são interligadas pela rede de esgoto, então todos estão suscetíveis a um encontro com o escorpião.”
Embora ainda faltem evidências, mudanças climáticas também podem explicar o aumento de picadas pelo Tityus serrulatus. Essa espécie é mais comum em locais mais quentes no Brasil. No sul, por exemplo, casos de acidentes com esses animais não eram comuns por causa das temperaturas mais amenas. No entanto, os incidentes também vem crescendo nessa região nos últimos anos, o que pode ser explicado potencialmente pelas alterações climáticas já registradas.
Uma terceira hipótese para entender o aumento de casos de picadas pelo Tityus serrulatus envolve a forma como ele se reproduz. Essa espécie se reproduz por partenogênese ou seja, não precisa do acasalamento entre um macho e uma fêmea. “Então, um único escorpião […] já pode criar um foco”, completa Arantes.
A pesquisadora estuda essa espécie desde 1992, estudando os efeitos tóxicos da peçonha do animal para talvez desenvolver tratamentos adicionais. Atualmente, a terapia consiste no soro anti escorpião. Ele é recomendado somente para públicos com maior risco em casos de acidente. Crianças, pessoas com comorbidades e idosos são parte desse grupo. Adultos saudáveis normalmente não precisam do soro, mas podem apresentar efeitos colaterais e, por isso, também precisam procurar atendimento especializado para averiguar o quadro clínico.
Arantes defende que o acesso a serviços de saúde precisa melhorar. Por conta de efeitos colaterais que podem surgir a partir da picada de um escorpião, o soro utilizado no tratamento é disponibilizado somente em locais com maior estrutura médica. Postos de saúde e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) não atendem tais requisitos. Uma comunicação mais efetiva de quais são os locais adequados para buscar ajuda em casos de picada é necessário. Além disso, aumentar o número de hospitais que contam com o soro também é uma recomendação de Arantes.
Por parte da população, também existem medidas que podem ser adotadas. Aplicar estruturas lisas em paredes e muros evita a presença dos animais, já que eles não conseguem escalar materiais com essas características. Dedetização também é bem-vinda. Arantes afirma que esse procedimento voltado para escorpiões tende a ser mais caro. No entanto, mesmo uma dedetização comum é vantajosa. Escorpiões se alimentam especialmente de baratas. Erradicar esses insetos por meio de dedetização diminuiria a quantidade de alimento disponível para os escorpiões.
Em caso de picada, a professora afirma a importância de procurar ajuda médica o mais rápido possível. Notificar centros de vigilância da cidade é outra ação necessária, já que isso pode levar a medidas públicas de controle contra escorpiões.
Caso alguém se depare com um escorpião, Arantes afirma que matar o animal pode ser a melhor solução. Ela recomenda utilizar algo mais longo para manter distância do escorpião. Caso alguém tente pisar diretamente no animal, ele pode continuar vivo, subir na perna e picar a pessoa. Também é importante ficar atento se o escorpião realmente morreu, já que, em alguns casos, o animal se finge de morto.