RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Quando Os Paralamas do Sucesso começaram tocar nos palcos cariocas, no início dos anos 1980, tudo era novidade para os três garotos que só ensaiavam, em Copacabana, no apartamento da avó do baixista Bi Ribeiro a vovó Ondina, celebrada numa canção com traços heroicos, enfrentando soldados para proteger o rock dos meninos.
Mesmo passadas essas quatro décadas e incontáveis shows pelo Brasil e pela América Latina, o trio agora sexagenário nem pensa em deixar os palcos. É o que afirma o guitarrista, vocalista e compositor da banda, Herbert Vianna, aos 64 anos.
Pelo contrário. A sensação de estar no palco é tão intensa quanto terapêutica, diz o músico, que dá início à turnê de celebração desses 40 anos no Allianz Parque, em São Paulo, no próximo dia 31. Com um público estimado de 45 mil pessoas, será o primeiro show solo dos Paralamas em um estádio os demais foram em festivais com outras bandas.
“A aposentadoria será só quando a gente não tiver mais condições físicas de fazer os shows. Até o final da história, da nossa trajetória nessa encarnação, vamos tocar até em asilos de pessoas na terceira idade em condições extremas.”
A motivação é simples o prazer de tocar sua guitarra ao lado de Ribeiro, de 64 anos, e do baterista João Barone, de 62. “Me faz muito bem”, diz Vianna, numa rara entrevista em que não está acompanhado dos amigos. O trio se conheceu em 1981, na Universidade Rural do Rio de Janeiro, e é uma das bandas mais longevas do rock brasileiro, ainda em sua formação original.
Ao longo das décadas, o grupo lançou 20 álbuns, incluindo as coletâneas gravadas ao vivo, que formam uma playlist de sucessos, como “Alagados”, “Meu Erro”, “Vital e sua Moto”, “Lanterna dos Afogados”, entre outros todas faixas obrigatórias nas apresentações da turnê, que tem datas marcadas até novembro por várias cidades do país. A trajetória do grupo também rendeu o espetáculo “Vital: O Musical dos Paralamas”, em cartaz em São Paulo até o final do mês no Teatro Sabesp Frei Caneca.
À amizade entre eles se soma a parceria com outros músicos que acompanham a banda há décadas nos shows e a fidelidade do público. Vianna atribui essa proximidade com os fãs ao “ar despretensioso das canções, que não tenta elaborar repetição de refrões”, mas que transmite sentimentos que ele chama de reais.
“Minhas canções são vômitos emocionais. Então, quando estou sofrendo muito, digo coisas como às vezes te odeio por quase um segundo”, diz Vianna, lembrando-se da época em que entrou na universidade e achava que nenhuma garota daria bola para ele porque usava óculos. “Acabei escrevendo uma brincadeira a respeito disso que se tornou um mega hit nacional”, diz, citando a canção “Óculos”.
Ao refletir sobre a passagem do tempo, Vianna se lembra de quando ouvia os Beatles e exalta a plenitude de George Harrison na canção “My Sweet Lord”. “Sonho que, algum dia, alguma canção minha represente para alguém esse tipo de estofo, de conforto e maciez de sintonia”, diz.
É uma conexão que, acrescenta, rompe barreiras geracionais, a exemplo da plateia que teve no Lollapalooza, festival que atrai um público jovem e onde os Paralamas se apresentou há dois anos. “É muito impressionante você ver pessoas, quase crianças, gritando com muito entusiasmo, cantando coisas que elas não eram nem nascidas quando a gente lançou e quando eu escrevi.”
É um sinal de que o público se renova apesar de o último álbum de inéditas do grupo, “Sinais do Sim”, ter sido lançado em 2017, com canções que não tiveram o mesmo alcance das anteriores. Mas eles parecem não estar tão preocupados com isso no ano passado, Barone disse que os Paralamas não iriam competir com os seus sucessos e seguiriam fazendo shows.
Nem mesmo o acidente com um ultraleve pilotado por ele, em 2001, que o deixou em uma cadeira de rodas e matou sua mulher, a jornalista inglesa Lucy Needham, foi capaz de frear essa vontade do trio. Mais da metade dos 42 anos de história dos Paralamas foi escrita após o episódio, quando ele sofreu lesões cerebrais que, além de impor uma limitação física, afetaram sua memória recente.
Na conversa com a reportagem, por exemplo, ao ser questionado sobre seu aniversário em 4 de maio a entrevista foi feita em 25 de abril, Vianna teve dúvidas. “É 64 mesmo?”, perguntou ao seu empresário, José Fortes, que acompanhava a conversa. Mas logo se lembrou do aniversário de Lulu Santos, no mesmo dia que o seu, e do produtor Liminha, em 5 de maio.
Disse ainda que, como bom taurino, tem tendência a acumular coisas. “Acumulo guitarras”, admite. Para ele, os instrumentos são vitais. Sem eles, é obrigado a transformar a melodia em gestos no ar, tocando as notas imaginárias enquanto declama suas composições. Quando está em casa, costuma pedir ajuda a uma das filhas Hope Izabel ou Phoebe Rita para darem play em algum disco, enquanto ele toca junto.
As mãos também se ocupam de desenhos e caricaturas de amigos e integrantes do Paralamas, que se espalham por uma parede de sua casa, e a música só é interrompida durante sua rotina de cuidados, quando um enfermeiro o acompanha em atividades como fisioterapia, natação na piscina de sua casa, nas consultas médicas e na administração de remédios.
“A medicina ainda não conseguiu sintetizar em termos químicos o bem que faz você tocar canções que você goste muito ou, eventualmente, você se dá conta de coisas que escreveu e que te ajudaram a vencer certas etapas da vida. A música é realmente uma terapia muito ampla e profunda, muito verdadeira.”
É pela arte também que ele tenta amenizar a dor da ausência de Lucy, entoando versos como os de “Se Eu Não te Amasse Tanto Assim”, sucesso na voz de Ivete Sangalo, ou de “Aonde Quer que Eu Vá”. Para uma das filhas, porém, lamentos como esses atrapalham “a viagem da mãe para o mais elevado”.
Quando Lucy morreu, aos 36, deixou Luca com nove anos, Hope Izabel com cinco e Phoebe com pouco mais de um ano. Na ocasião, Vianna teve a ajuda de sua mãe, Teresa, para educá-los. Hoje, ele diz que os próprios filhos, já adultos, reconhecem que ele conseguiu tocar o barco. “Eu tento me lembrar sempre e deixar que minhas dúvidas, minhas explosões de alegria, de perplexidade, sejam completamente honestas e abrir muito o diálogo com eles”, diz.
Com todas as experiências vividas após o acidente, Vianna diz acreditar que não se tornou uma pessoa melhor, mas obsessiva pelo aprendizado e por ouvir mais, deixando para trás os “arroubos de adolescência”, de negar as coisas, os valores dos pais ou todos os conflitos românticos. “Atualmente eu vejo, eu sinto pelas minhas convicções existenciais que são testes que você mesmo se propôs a viver, que você tenta ter para superar.”
OS PARALAMAS DO SUCESSO – 40 ANOS
– Quando 31 de maio, às 21h
– Onde Alliaz Parque – av. Francisco Matarazzo, 1.705, São Paulo
– Preço R$ 100 a R$ 395
– Link: https://www.eventim.com.br/event/paralamas-do-sucesso-celebrando-40-anos-de-classicos-allianz-parque-19582584/