MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – Uma verdadeira operação de guerra, sem tiros e sem público, marcou a parada militar que Vladimir Putin transformou em demonstração de força em Moscou, nesta sexta-feira (9). Precedido por pesadas críticas ao líder russo pela guerra na Ucrânia, ataques de drones e até boicote de espaço aéreo, a celebração dos 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista contou com as presenças de Luiz Inácio da Silva e Xi Jinping.
Os mandatários brasileiro e chinês eram os expoentes de uma lista de chefes de Estado e delegações de 29 países, a maioria descrita pela imprensa europeia como ditadores e autocratas. Ambos defenderam a presença no evento como um esforço de multilateralismo. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, descreveu o desfile como cinismo. “Não há outra maneira de descrevê-lo. Um desfile de bile e mentiras”, declarou à imprensa em Kiev.
“Todo o país, a sociedade e a população apoiam os participantes da operação militar especial”, disse Putin em discurso, no começo do desfile, usando o termo com o qual se refere à guerra que iniciou em 2022. A Rússia “foi e sempre será uma barreira indestrutível contra o nazismo, a russofobia e o antissemitismo”.
Tratar a invasão do território ucraniano como uma luta contra o nazismo é uma das narrativas que Putin tenta sublinhar com o evento desta semana.
De chapéu, Lula chegou ao Palácio do Senado do Kremlin no começo da manhã russa, madrugada no Brasil, acompanhado pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva. Era o primeiro evento de uma programação extensa que, além da parada, previa a deposição de flores no túmulo do soldado desconhecido, almoço e uma reunião bilateral com Putin.
Lula se encontraria ainda com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, único líder da União Europeia no evento. Populista de trajetória controversa e uma das vozes mais eloquentes pró-Rússia no continente, Fico desafiou Bruxelas, que havia exigido dos países-membros do bloco que a celebração russa fosse evitada. Seu voo inclusive sofreu um boicote de espaço aéreo por parte de nações do Báltico, assim como já tinha ocorrido com Janja, que chegou antes na capital russa para cumprir agenda própria.
Turbinado pela data redonda, o desfile militar com tropas, blindados e mísseis balísticos foi organizado como um espetáculo para TV, sem público nas ruas, boa parte bloqueada ao trânsito e com cercas metálicas nas calçadas. Convidados e jornalistas que podiam acessar as cercanias do evento foram submetidos a sucessivas revistas e checagens de documentos. O argumento para tanta segurança era o mesmo que o da grandiosidade da festa, a Rússia está em guerra.
O cessar-fogo de três dias proposto por Putin para marcar a data acabou ignorado pelos dois lados do conflito. Ameaçados por drones ucranianos, os quatro aeroportos de Moscou foram fechados diversas vezes nos últimos dias. O governo ucraniano, por seu turno, afirmou que a Rússia lançou mais de 700 ataques contra alvos do país desde quinta-feira (8). Alguns dos drones usados no conflito foram inclusive expostos no desfile.
Putin disse que “a verdade e a justiça” estão do lado russo e que o país sempre se lembrará da colaboração das tropas aliadas e das forças de resistência na vitória de há 80 anos contra os nazistas. Ou seja, quem ganhou a guerra foram os soviéticos, notou o presidente, em evidente provocação aos europeus, que, na véspera, o classificaram de agressor e de instrumentalizar a memória da Segunda Guerra.
Encaixou ainda no discurso uma menção ao “corajoso povo da China”, à época invadida pelo Japão. Na tribuna, Xi Jinping mereceu um local de destaque, ao lado de Putin, com quem trocou frequentes diálogos intermediados por intérpretes.