MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder chinês, Xi Jinping usaram o multilateralismo para justificar a presença em Moscou durante as celebrações de Vladimir Putin que marcam os 80 anos do fim da Segunda Guerra na Europa. Na noite de quinta-feira (8), compareceram como principais convidados do líder russo a um jantar oferecido no Kremlin.

Sentados ao lado de Putin no centro de uma grande mesa em uma sala suntuosa, Lula, à esquerda, e Xi, à direita, eram os expoentes do grupo de líderes presentes ao evento. Segundo os organizadores, representando um total de 29 países, a maioria descrita em tons fortes pela imprensa europeia como ditaduras ou autocracias.

A cena contrastava com o dia na Europa, em que boa parte do continente lembrou com feriado e cerimônias a rendição da Alemanha nazista em 1945. Putin foi muito citado, mas como antítese dos libertadores soviéticos de há 80 anos. Na Alemanha, inclusive, embaixadores de Rússia e Belarus não foram convidados para uma sessão especial do Bundestag, o Parlamento alemão, em um ato diplomático significativo.

Em discurso, o presidente do país, Frank-Walter Steinmeier, disse que “o Exército Vermelho libertou Auschwitz” e que os alemães precisam se lembrar disso. Ao mesmo tempo, sublinhou que isso não apaga as “mentiras históricas” do Kremlin, como a de que continua lutando contra o nazismo, um dos argumentos para a invasão da Ucrânia em 2022.

“Os libertadores se tornaram os novos agressores”, afirmou Steinmeier. “Com a guerra, Putin deixou em escombros a segurança europeia, que era a fonte de nossa esperança de que tivéssemos aprendido a lição dos horrores da guerra de uma vez por todas.”

Em Paris, o presidente Emmanuel Macron lembrou dos “valores que triunfaram em 1945”, em discurso no Arco do Triunfo. A guerra do leste europeu e sua disputa de narrativas marcam as homenagens aos 60 milhões de mortos, a maioria civis, assim como o genocídio de 6 milhões de judeus promovido pelo regime de Adolf Hitler.

A festa em Moscou ocorre apenas nesta sexta-feira (9), “Dia da Grande Vitória” na concepção russa, quando a rendição alemã foi repetida em Berlim, então liberada pelas tropas do Exército Vermelho. Putin usa a data redonda e o tradicional desfile militar pelas largas avenidas de Moscou como uma demonstração de força. Por interesses próprios, Brasil e China participam da propaganda do presidente russo nesta semana.

“Já estou na Rússia para participar das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória, que marcou o fim da Segunda Guerra. O dia que define a vitória contra o nazismo. A vinda à Rússia reafirma nosso compromisso com o multilateralismo. Iremos assinar acordos de cooperação em ciência e tecnologia e buscar a ampliação das nossas parcerias comerciais”, declarou Lula em rede social, pouco depois de desembarcar na capital russa.

Ele ainda não falou com a imprensa em Moscou, mas, em uma entrevista publicada nesta quinta-feira (8) pela revista americana New Yorker, Lula revela que pediu o fim da guerra ao presidente russo. “Liguei para o Putin e disse: ‘Putin, acho que está na hora de você voltar à política. Ponha um fim a isso. O mundo precisa de política, não de guerra. Você faz falta. Não há pessoas o suficiente para sentar à mesa e discutir o destino do planeta: O que queremos para a humanidade?'”

Horas antes do jantar, o presidente chinês chamou o homólogo russo de velho amigo em encontro bilateral. Segundo a imprensa oficial chinesa, assim como Lula, Xi citou a necessidade de um mundo multipolar, com especial enfoque nas necessidades dos países emergentes.

A negociação envolve também uma ofensiva para “salvaguardar a autoridade e o status” da ONU. Os dois países têm poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas não ficou claro qual seria a estratégia descrita na assertiva. O Brasil defende uma reforma do órgão que inclui se tornar membro permanente do conselho.

Afirmação parecida saiu do encontro entre Putin e o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, ocorrido na véspera. A agenda de Lula também prevê uma reunião bilateral com o líder russo. A balança comercial entres os dois países, da ordem de US$ 12 bilhões, é amplamente favorável à Rússia, graças à exportação de petróleo.

Assim como a China e a Índia, o Brasil não participa do esforço liderado pela União Europeia para isolar Putin. Desde a invasão da Ucrânia, o apoio, sobretudo da China, se tornou uma linha vital para a economia russa.