SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A CEP (Comissão de Ética Pública) afirma não ter sido informada ou consultada pelo ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto sobre o interesse do executivo de assumir funções no Nubank.
“O ex-presidente do Banco Central não consultou a Comissão de Ética Pública sobre trabalhar para o Nubank”, disse a CEP, vinculada à Presidência da República, em nota. “Depois de seis meses da saída do cargo, a pessoa está liberada e não depende mais de autorização da CEP para exercer atividade privada. Porém, jamais poderá usar ou divulgar informação privilegiada obtida em razão do exercício do cargo.”
A lei que determinou autonomia do Banco Central em 2021 proíbe, durante seis meses após a saída da presidência ou da direção da autarquia, atividade profissional (com ou sem vínculo empregatício) ou controle societário em instituições sob fiscalização do BC, como é o caso do Nubank.
Durante o período de veto à atuação profissional, a ex-autoridade recebe uma remuneração compensatória paga pelo Banco Central.
Procurados pela reportagem, os advogados de Campos Neto afirmam que “não há qualquer obrigação de pedido de permissão” à CEP para que o ex-presidente do Banco Central exerça qualquer atividade após o dia 1º de julho deste ano. O período de quarentena se encerra em 30 de junho.
“Por respeito à administração pública, onde esteve por quase seis anos e lealdade à CEP, Roberto Campos Neto fez questão de comunicar à comissão que passaria a integrar o quadro de dirigentes do Nubank a partir do dia 1º de julho”, afirmam os advogado em comunicado.
O presidente da Comissão de Ética Pública, Manoel Caetano, entretanto, nega que o ex-presidente tenha avisado a entidade.
Segundo Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito pública da USP, esta é a primeira vez que há um anúncio de um ex-presidente do Banco Central sobre um futuro trabalho para uma instituição financeira ainda durante a quarentena, embora seja recorrente que autoridades do BC entrem na iniciativa privada após o período de veto.
Ainda de acordo com Oliveira, a lei 12.813 de 2014 exige que os agentes públicos comuniquem por escrito à CEP mesmo a intenção de aceitar propostas de trabalho no setor privado. “Não o fazer pode ser considerado uma violação das normas éticas aplicáveis, os quais incorrem em improbidade administrativa”, afirma.
Funcionários do Nubank dizem, sob condição de anonimato, que não há um contrato assinado entre a fintech e o ex-presidente do BC, que ainda poderia mudar de ideia sobre o futuro profissional. O que houve, afirmam, foi uma comunicação sobre o convite a ele.
Campos Neto, afirmou comunicado do banco, deve assumir os cargos de vice-presidente do conselho da instituição financeira e de chefe global de políticas públicas. Esta função, em geral, visa ao exercício de influência sobre decisões governamentais.
Questionado, o Nubank não detalhou se desenvolverá uma governança para evitar que Campos Neto use informações privilegiadas obtidas durante o mandato no regulador do sistema financeiro nacional. Também não fez pronunciamentos além do que foi divulgado na terça-feira.
Cabe à CEP investigar, de ofício ou mediante denúncia, atitudes que violem o código de ética profissional ou a lei de conflito de interesses, que veda a divulgação de informação privilegiada em proveito de terceiros. No momento, não há um processo de apuração em curso.
A lei de conflito de interesses também proíbe que a ex-autoridade “aceite cargo de administrador ou conselheiro ou estabeleça vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado”. O presidente da CEP esclarece que esse acordo deve ser formalizado para caracterizar violação.
De acordo com o comunicado do Nubank, o executivo atuará “apoiando a formulação de políticas e regulações modernas e competitivas no cenário internacional”.
Campos Neto atuou como presidente do Banco Central do Brasil de 2019 até o final de 2024. Antes, ele ocupou importantes cargos de liderança no setor financeiro por mais de duas décadas, em empresas como Santander, Claritas Investments e Bozano Simonsen.
Para a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Alketa Peci, trata-se de um possível caso de captura regulatória, onde indivíduos com poderes regulatórios no governo passam a trabalhar no setor privado. Cientistas políticos chamam essa tendência de “porta giratória”.
“A expertise que alguém com trajetória de regulamentação acumulada no setor público costuma ser um recurso bem valorizado pelo mercado em busca de oportunidades de negócios em áreas novas de atuação”, afirma Peci.